Eu estava lanchando na praça de alimentação; ele almoçava com um grupo, em uma mesa distante. Olhamo-nos, ele sorriu, eu acenei achando que era alguém conhecido; não era. Eles levantaram-se com suas bandejas para descartá-las e passaram por mim. Ele era o último da comitiva e, ao passar por mim, deixou cair um cartão. Foi proposital. Apanhei o cartão.

 

Era um cartão comercial, com nome, telefone e perfil no Instagram. Procurei pelo perfil, encontrei-o, mas as fotos mostravam um outro: aquele perfil não era o dele. Examinei o cartão novamente e vi que o erro fora meu: a informação válida era a rascunhada no verso. Escrevi-lhe, apresentando-me, mas apaguei tudo por diversas vezes. Não era eu aquele que escrevia. Até que me veio a frase, a que me representava. Essa eu enviei.

 

À noite vi a sua resposta: ele me convidava para jantar, em um bistrô francês. Aceitei. O jantar era no dia seguinte e mal dormi: ele era atraente e tinha o sorriso mais encantador que havia visto. Alto, barba espessa, cabelos fartos. Não conhecia sua voz; tudo fora feito por mensagem.

 

Cheguei ao bistrô, subi as escadarias. Ele estava lá, pôs-se de pé. Era o homem mais belo que eu havia visto. Ele veio na minha direção, eu consegui dar dois passos à frente; ele abriu seus enormes braços para me abraçar; envelopou-me por inteiro. Meu corpo tremia dos pés à cabeça.

 

Olhávamo-nos; as palavras eram escassas, desnecessárias; o que os olhos emitiam era a verdade. Nessa verdade habitava a certeza: após aquele abraço da entrada, eu ter-me-ia casado com ele para toda a vida. Começamos a jantar. Só olhares. Descobri, ali, o que é felicidade.

 

Ao som de Et si tu n’existais pas, ele convidou-me para dançar. O lustre, as arandelas, os quadros e quadrinhos, as cortinas, os varões, os souvenirs, as mesas e cadeiras, as toalhas das mesas, os frisos, as tomadas e interruptores, todos deleitaram-se. Anjos, arcanjos, querubins e serafins desceram do firmamento tedioso para contemplar o nascimento da verdade do amor.

 

Com sua voz de baixo-barítono, ele pediu-me em namoro. Eu, trêmulo, com lágrimas escorrendo-me dos olhos, não consegui responder. Ele levantou-se, puxou-me para perto de si, envolveu-me e beijou meus lábios com suavidade e entrega. Os seres celestiais regozijavam-se. Os demais comensais ficaram com garfos e colheres parados à boca. Alguns acenaram enamorados.

 

Levitando, cheguei à minha casa; nosso próximo encontro seria no sábado. Pus-me ao computador e a inspiração brotou instantaneamente e resultou em um soneto que lhe enviei, com dedicatória. No sábado, no seu apartamento, o soneto estava impresso e emoldurado e, no verso, havia uma frase: “soneto escrito e dedicado a mim, pelo homem com quem me casarei”.

 

Pouco tempo depois casamo-nos; jamais dissemos “eu amo você”; era redundante. Sempre andamos de mãos dadas portanto nossas alianças. A sós ou em público, ele me envolve e me beija; suspiros são ouvidos. A certeza da verdade que há em nós contagia os empertigados.

 

Uma sala de espera para uma consulta médica torna-se amável, se ele lá estiver comigo. A melhor mesa, o melhor concerto, o melhor passeio, as melhores férias e as maiores homenagens não passam de um nada, sem vida, nem graça, se ele lá não estiver comigo.

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 23/02/2023
Reeditado em 19/05/2023
Código do texto: T7725813
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