VILA VELHA, CAFÉ DA MANHÃ DE UMA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Os foliões imberbes e cirróticos hibernam. Já despiram-se das fantasias, retiraram os musgos da pele e as purpurinas não brilham mais. O que fora suor, hoje é memória eufórica e piegas: destoa.
O bloco na rua: passou. A efervescência na cidade agora é apenas um rastro de sujeira, plásticos e latas ao chão, flores mortas.
Aos poucos, a ressaca do mar grita mais alto que o revés do álcool dentro de cada um. A tristeza impera. O reinado mentolado de um cigarro barato sobrepõe-se aos que trocaram os seus companheiros pelos calores. A fogueira da vida vai confundindo-se com os estouros das descargas dos carros que voltam a trabalhar, perde-se na correria do cotidiano e no marasmo da reflexão que as primícias da quaresma elabora.
De todos os blocos, fui apenas em um. E não voltei. Meu bem e eu tínhamos compromisso maior.
Hoje, descansados e entregues ao soneto do amor total, ao afogamento cantado por Gil (e acredite, já decorado pela criança dos meus olhos), vamos rasgando o calendário como quem tricota os dias de uma linda história de amor com as agulhas da delicadeza, paciência e compreensão.
Acordo, levanto-me. Passo o café, deito queijo, pães e bananas sobre a mesa. Arrumo as louças, copos e talheres. Deixo a desordem do quarto por sua conta. E chamo-o para o banquete.
Enquanto sorrimos um para o outro, o tempo vai tamborinando as melhores horas do dia. A voz cansada e perene de Roberto Carlos desenha uma estratégia para os que estão completos: nossa chama outra vez tão acesa, o café esfriando na mesa - esquecemos de tudo.