ESCRITORES EXCLUÍDOS
CÂNONES. PARA QUEM?
Nelson Marzullo Tangerini
Certa vez, numa feira de livros, no Palácio do Catete, a “Primavera dos livros”, onde lançava o livro “Nestor Tangerini e o Café Paris”, Editora Nitpress, de Niterói, RJ, 2010, questionei, após breve palestra, por que os poetas do Café Paris, da capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, não faziam parte da História da Literatura Brasileira, já que eram autores fluminenses – ora vistos como pós-parnasianos, ora vistos como uma resistência parnasiana ao Modernismo de 1922.
A partir de então, entrei em conflito com uma senhora, Professora de Literatura da PUC, que tentou me convencer de que os cânones da literatura brasileira estavam definidos e estabelecidos e não podiam ser modificados.
Sei que fui deselegante quando lhe disse, bravo, em outras palavras: “- Danem-se os cânones!”. Mas não retiraria o palavrão para todos aqueles que, enquanto Professores de Literatura, com Mestrado e Doutorado, ignoram solenemente a existência de escritores que foram excluídos pelas patotinhas literárias ou universitárias que se organizaram para defender seus interesses pessoais ou, no caso dos intelectuais, os escritores que podem circular na mídia.
Hoje, porém, com mais conhecimento do que defendo, perguntaria por que Maria Firmina dos Reis e Luís Gama, considerados românticos, Paula Brito, realista, e Carolina Maria de Jesus, talvez uma escritora pós-moderna, não figuram em certos livros didáticos.
Perguntaria, também, por que o livro “Cartas contra a Abolição”, do escritor José de Alencar, notadamente romântico, não faz parte de sua bibliografia em livros didáticos. Alencar, em “Cartas contra a Abolição”, defende a superioridade dos brancos, alegando que a escravização do africano fazia parte de um processo civilizatório. Supremacista, o cearense de pele clara, descreve, em seus romances, a sua visão etnocêntrica e fantasiosa dos povos originários do Brasil.
Em momento propício, a editora “Grupo Novo Século” lança o livro “Abolicionistas – Antologia de poetas negros do período abolicionista no Brasil”, que tem prefácio de Juarez Xavier e textos de apoio e notas de Valéria Alves. A obra foi publicada em 2022, e merece ser lida, embora não contenha toda o trabalho dos poetas em questão.
Estão no livro Maria Firmina dos Reis: com “O proscrito”, “Uma lágrima”, poema dedicado à mãe, “Dirceu”, dedicado ao poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga, “O lazarento” e “A vida é um sonho”. Da lavra de Luiz Gama: “Coleirinho”, “Sortimento de gorras”, que tem como epígrafe um fragmento poético do português Faustino Xavier de Novais, cunhado de Machado de Assis, e “No cemitério de S. Benedito”. Do Machado de Assis ainda romântico, “Cólera do império”, “Minha musa”, “Daqui deste âmbito estreito” e “Dai à obra de Marta um pouco de Maria”. De Francisco de Paulo Brito, “Si não tem o povo nellas”, “Soneto”, “Eu, e as minhas lembranças” e “As fábulas de Esopo”. De Cruz e Sousa, conhecido como “Dante Negro”, “Meu filho”, “Livre”, “Cárcere das almas”, “Litania dos pobres”, “Da senzala”, “A revolta” e “Escravocratas”.
Aqui publicamos o soneto “Livre”, do livro “Últimos Sonetos”, escrito pelo poeta catarinense em sua casa no bairro do Encantado, subúrbio do Rio de Janeiro:
“Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
...
Livre da humana, da terrestre lava
dos corações daninhos que regelam,
quando nossos sentidos se rebelam
contra a infâmia bifronte que deprava.
...
Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.
...
Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças”.
Acompanham as pequenas coletâneas de cada um, uma sincera biografia, onde Valéria Alves descreve o sofrimento de cada um deles. Maria Firmina dos Reis, Luís Gama e Paula Brito merecem especial atenção. Principalmente Luís Gama, poeta baiano, vendido pelo próprio pai, português, como escravo. Sua luta pela Abolição é inquestionável. Liberto, tornou-se um autodidata em direito e conseguiu defender e libertar inúmeros seres humanos escravizados.
Esperamos que, no futuro, a escritora Carolina Maria de Jesus e o poeta Solano Trindade também sejam lembrados, merecendo espaço em livros didáticos, escolas e universidades.