Emaranhado (BVIW)
Fios soltos ou pontos sequenciais, alguns firmes, outros frouxos; farrapos, linhos, seda e cetim... Poderia ser mera descrição de um ateliê de costura ou de uma loja de tecidos, mas não. É o desenhar da vida, do emaranhado que nos borda em relevo ou rasgos, enfeites ou rupturas. Discorrer sobre as linhas que nos costuram é reavivar lembranças e romper tessituras que a memória costurou com afinco.
Quando criança, eu tive duas colchas de retalhos. Minha avó costurava uma para cada neto, mas como eu fazia xixi na cama, a minha puiu e fui agraciada com a segunda. Forrada em tecido cru, as cores opostas ao avesso palha revelavam todo o cuidado que Dona Hercília despendia ao presente. Na internet, o texto "colcha de retalhos" atribuído à Cora Coralina é, de fato, de autoria de Cris Pizziment, que só pude conhecer por tuas linhas - não as de algodão ou do papel - as tecidas em tecla. Carlos Barbosa, contador de histórias pretas, ofertou-me o seu talento com a arte da palavra e, em retribuição: uma colcha com cores e estampas africanas, e uma exuberante silhueta black ao centro. Por onde vai ele a leva; me marca nas redes para ver.
Em cada retalho uma história, ponto solto, sem fim.