Sobre o esquecimen…
Esquecer não é preciso, nem mesmo o que for ruim. Por acaso adiantaria querer extirpar memórias que nos são doloridas? Impossível, a memória seletiva flerta com o cinismo, a menos que se trate de patologia. Fatos marcantes são como filhos, não há modo de retornarem ao ventre materno (neste caso, ao paterno também). Não existe “dessofrer”, recolher a lágrima rolada, somente perdoar se for o caso e ser mais cauteloso doravante. Negar o dissabor só aprofunda o ferimento, afinal, por mais que o sujeito seja bom ator, seu travesseiro bem conhece suas elocubrações, está para nascer quem consiga fugir de si próprio. O alento é que as tais memórias podem desbotar e ficar silentes, mas ainda estarão lá.
Já as experiências agradáveis ninguém quer esquecê-las, mas revisitá-las a todo instante a fim de retroalimentar suas vidas. Mesmo que modifiquemos nosso pensamento e a coisa agradável deixe de gerar prazer de todo modo, como por exemplo uma união que se desfez, os momentos purpurinados de magia ficarão guardados em algum canto. Em última análise a gente não seria a gente sem o somatório de drama e comédia por que passamos, seríamos uma outra pessoa. Aquela queda na infância que rendeu uma cicatriz que só você sabe contém um enredo exclusivo que pode ser sofismado e distorcido, porém não vai mudar nunca.
Esquecer não é uma hipótese plausível porque não temos em nosso corpo um botão de liga e desliga, somos um todo indivisível. Lembro-me de uma passagem hilária em que um amigo explicou-me que ninguém poderia obrigá-lo a consertar seus defeitos porque ele era “um pacote”, uma fazenda “de porteira fechada”, portanto quem levasse o gado e plantações iria ter que lidar com eventuais pragas e quinquilharias inúteis, o seu lado infernal. Estava certíssimo o Silvio, não se pode estabelecer condições para alguém permanecer em nossa vida e isso vale para ambos os lados. Entenda-se que mudar um pequeno detalhe aqui ou acolá é altamente bem-vindo, todos precisamos de burilamento, mas a essência vai virar, mexer e ficar igualzinha. Durma-se com esse barulho.
Particularmente prefiro que alguém me desalije em definitivo da sua vida ao invés de “desculpar” um deslize e permanecer lembrando a falha cometida feito um realejo, remancheando o que não agrega nada, considero um tipo de tortura quem age assim. Dizem que elefantes não esquecem jamais e não sei se há base científica para a afirmativa, mas se for verdade, tenho muita pena deles, afinal vivem várias décadas para carregar milhões de memórias. Melhor seria, às vezes, se fosse possível “resetar” o corpo humano tal qual um computador que volta ao estágio inicial completamente renovado, memória zerada. Considerando que não somos formados de bits e bytes, precisamos otimizar nosso material sem supervalorizar o desimportante para não causarmos “fadiga do material” e assim preservarmos nossa integridade física e mental. Só que não, pois o coração é desobediente e nos coloca em furadas homéricas, mas isso é material para muitas outras crônicas.