Evoé, fevereiro
Dizem que o ano está apenas começando, mas quando você consulta o relógio percebe que já é fevereiro. Bate aquele cansaço ancestral, aquela preguiça dos mortos, e você implora uma pausa.
Sai à janela, para tomar refresco, e toma um grande susto: a rua está enfeitada, coloridinha, diferente. Carros estão ausentes, e a rua está inteiramente dedicada aos pedestres, que são muitos, dentre os quais brilha uma jovem de cabelos pintados de verde, acompanhada de outros jovenzinhos de cabelos pintadinhos de verde. Todos, aparentemente, medem mais de um metro e setenta de altura e estão localizados no hemisfério Nordeste do Brasil.
Você percebe esse detalhe, ao tempo em que pensa em como essa informação pode ser útil à estatística.
Os jovenzinhos, alegres e coloridos, passam. Você, seu olhar triste, seu cansaço triste, sua vida passageira e triste, ficam, a mensurar a necessidade do Carnaval como prática social voltada à libertação dos corpos, como mecanismo catártico e social. Aí seu cansaço aumenta, e você, embora com apenas 30 anos e uma gastrite, percebe-se um velho octogésimo decadente.
Você volta a olhar o herege fevereiro, desta vez com menos cansaço, e a ver nele certo otimismo juvenil e saudável. Percebe oficialmente que fevereiro tem menos de 31 dias, 16 feriados e que, segundo a Wikipedia, é dedicado ao deus da purificação dos mortos, Februa, a quem os romanos ofereciam sacrifícios para expiar as faltas cometidas durante todo o ano.
Você novamente consulta o relógio, cuja estatística revela que realmente e talvez seja tempo de pintar os cabelos de verde.