BENEDETA DOR NA COLUNA DOS MEUS TRINTA ANOS
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma
É chuva – que faz o mar.
- Castro Alves -
Meus trinta anos, trabalhando duro, cadeira de palhinha que furou e me faltava tempo para mandar consertar. Joguei uma almofada em cima. Era bonita, colorida, bem macia. Resultado disso: problemas na coluna lombar, no ciático.
Fui aos médicos, receitaram corticoide. Usei, nenhum resultado definitivo.
Em desespero e como cartomantes e adivinhos não curam doenças na coluna, procurei um massagista na minha linda cidade do interior do Mato Grosso do Sul. Cheguei, o cara não era japonês e não havia móveis apropriados. A massagem prometida era shiatsu. Pensei até que fosse alguma raça de cachorro de madame. Anos depois vim conhecer o shih-tzu, quase a mesma coisa.
Enfim, o profissional não inspirava confiança, mas o sofrimento era grande, não conseguia mais dirigir muito tempo nas exigidas viagens. O massagista quase quebra minha coluna, assustei e fui embora descrente do tal shiatsu caboclo.
Até que enfim, um médico de coluna: - Emerson, sua coluna está íntegra. Faz algum exercício?
- Na minha idade a gente tem que fazer exercício, doutor?
Ele sorriu amarelo, não gostou da minha piadinha sem gosto.
Fui para a piscina, nadei três anos todos os dias. Uma benção. Tomei gosto, virei peixe.
Em férias no Nordeste, aprendi mergulhar com o snorkel. No mar, amigo, fiquei maravilhado. Aquela sensação do silêncio, das cores, do movimento dos peixes, da temperatura agradável, um sonho.
Envelheci, e quanto mais velho vou ficando mais eu me lanço em outros mergulhos que iniciei na adolescência: DOS LIVROS!
E conto isso porque quero te dar uma receita: para coluna a água, os mergulhos, é santo remédio; para a alma os livros são fonte de prazer e cura não só do nosso espírito, a psiquê de um ser humano maltratado nessa vida, mas, curiosamente, para a coluna vertebral também.
O primeiro livro quando me dei conta da existência desse mar, desse mundo paralelo, do silêncio, do passar o tempo longe das tribulações, meu primeiro livro foi "O Guarani", do José de Alencar. Peri e Ceci, sua senhora, sentados na palmeira... "E sumiu-se no horizonte".
Esse horizonte para onde trafegavam Peri e Ceci me abriu outros sonhos e venho vagando por suas águas ao longo da vida.
Hoje, sentado em minha pequena biblioteca, em devaneios contemplo meus livros, nos quais já mergulhei muitas vezes em águas limpas e claras, ou tempestuosas, ou ainda, cobertos pela lama das sujidades da vida. Vejo ali, nesse mar de sonhos e ambientes, multidões de personagens fictícios ou reais; as histórias contadas do cristianismo; as reflexões dos sábios e dos filósofos, os libelos contra as más ideias, em vidas e vidas, autores e autores; poemas, romances, contos e crônicas, entre histórias reais e as inventadas; entre histórias inventadas que são reais, pois retratam a vida humana.
O mar salgado, nossos livros, em ondas enormes, cai sobre nós e cura a alma, corrige os vícios, eleva a Deus, pacifica o coração, faz perguntas e dá respostas, torna nosso olhar humano. Os livros não são deles, os escritores, são nossos, deles e nossos, pois se pariram suas ideias e as publicaram, apropriam-se delas quem o desejar.
O mar dos livros tem cores nas capas e nos pensamentos, tem as cores pintadas por homens e mulheres que contam histórias e estórias. O mar dos livros nos transporta para outros mundos, para outras épocas (seja passado ou futuro), para outros universos. O mar dos livros causa encontros inesperados.
O livro é mar profundo. O livro é construído a cada leitura pelo autor e seu leitor e, por isso mesmo, a história do livro não tem fim. O livro, você já ouviu mil vezes, "é muito melhor do que o filme". Sabe por que? Porque o filme você assiste e no livro você entra.
Alguém pode dizer que não vê a relação entre livros e curas na coluna, mas eu digo: os livros curam porque dão paz e relaxam nossos músculos; os livros curam porque nos livramos dos nossos ais; os livros curam porque nos abrem horizontes altaneiros, sublimes mesmo.
Mergulho no meu mar e vou em busca da minha essência como um humano e cristão, só isso.
Benedeta, dor na coluna dos meus trinta anos, que me ensinou a mergulhar!