O BAÚ DA FELICIDADE

 

 

Ela pagava religiosamente aquele carnê do Baú da Felicidade, todo mês. E assistia, aos domingos, ao Programa do Silvio Santos, na esperança de que seu número fosse sorteado e ela ganhasse uma bolada em dinheiro. Isso nunca aconteceu, porém, tudo bem, ainda tinha o carnê, que após o pagamento da última parcela lhe daria o direito de se dirigir a uma loja da rede e retirar artigos de sua escolha, no valor total daquelas prestações.

 

Após o pagamento da última mensalidade, vovó me escalou para ir com ela à loja e ajudá-la a escolher seus produtos. Eu era ainda uma pirralha de 12 anos e fiquei feliz com o convite, na esperança de que ela escolhesse algo para mim. Mas não foi assim, na loja só vi artigos para casa: louças, utensílios para cozinha, roupa de cama, mesa e banho e alguns eletrodomésticos. O valor dos boletos não dava para muita coisa. Feitas as contas e examinados os objetos, saímos de lá com um jogo de cama de casal, um cobertor, também de casal e um conjunto de seis xícaras para café com seus respectivos pires. Este, muito bonito, chamou-me a atenção pela porcelana decorada com flores vermelhas, nada comum.

 

Vovó ficou deveras satisfeita e logo usou os lençóis e o cobertor em sua cama. Já as xícaras, guardou-as no armário azul da copa, visíveis através das portas de vidro. De lá saiam somente quando aparecia alguma visita. No dia-a-dia servia café nas canecas de louça barata ou naquelas de alumínio, amassadas pelo constante uso. As de porcelana destoaram um pouco de sua modesta moradia, onde não havia banheiro dentro de casa e água encanada só existia na pia da cozinha.

 

Entretanto, a felicidade não se mede por coisas e sim por atitudes e pelo modo como se leva a vida e se acolhe as pessoas. Aquele jogo de xícaras de porcelana do Baú da Felicidade acabou ficando com minha tia Nahir quando vovô e vovó faleceram. Titia nunca se casou, veio morar com minha mãe e meu pai, que era seu irmão. Como ela não possuía sua própria casa, deu-me muitos objetos do lar de vovó, inclusive as xícaras que, igualmente aqui, só saem do armário em ocasiões especiais. Tudo o que dela ganhei segue em uso ou guardado com muito zelo e cuidado.

 

Quiçá durem e possam ser úteis à próxima geração.

 

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 14/02/2023
Reeditado em 14/02/2023
Código do texto: T7719322
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