ESTRANHAS TERAPIAS

CRÔNICA:

ESTRANHAS TERAPIAS

Verdadeiramente aquele “doutor” do passado sumiu asfixiado pelo modernismo, para o bem da criançada... Sofria de asma aguda, com o tratamento tomava mel, poejo, alfavaca, Bromil, rezas e simpatias. Faziam comigo o terrível sinapismo (emplastro de angu quente) no peito e desse jeito quase cozinhavam o meu coração. Achavam a solução à custa de qualquer sacrifício sem viajar na contramão!... Nada de filas intermináveis em hospitais, não havia tempo e nem hospitais ou postos de saúde. Era somente uma pequena farmácia do “pharmacêutico” prático e as doenças banais eram bem tratadas em casa com repouso (cama por vários dias) e boa alimentação.

Tomávamos suadores para baixar a febre e as poções mágicas (homeopáticas) dos competentes farmacêuticos. Além dos remédios da horta receitavam coisas tão simples, auscultavam cuidadosamente (tínhamos que repetir o conhecido “trinta e três”) e escutavam as mágoas dos pacientes, mas nos olhavam compadecidos com amor e dedicação compreendendo todas as nossas dificuldades... Isso bastava!

Íamos à benzedeira, figura marcante na zona rural: “ah, é quebrante e mau oiado", (resmas da África e da escravidão)! E a preta velha rezava com fé: "santa sufia tinha três fia uma que lavava uma que cuzia, ôtra que no fogo ardia. Sai mau oiado, sai ispinhela caída, dexa a arma dessa minina em paiz”, trechos das rezas que cheguei a decorar de tanta benzedura. O ramo verde de arruda com o qual ela rezava murchava na sua mão negra e tudo se comprovava: era a inveja mesmo e forte "mau olhado"! Fazia um "patuá", amarrava com linha grossa no meu pescoço e com ele eu me sentia curada e protegida! Podia tomar chuva, pisar na lama sem correr o risco de ter outra febre.

Nada de diagnóstico por imagem ou Planos de Saúde caros e sofisticados. Tudo era resolvido sem muitas complicações. Tomávamos garrafadas feitas pela minha madrinha num velho tacho de cobre contra amarelão e também contra a tal verminose. Para diarréia era chá de broto de goiabeira. Para tosse chá da casca da cebola roxa e álcool em um lenço amarrado na garganta. Se ficássemos rebeldes ou malcriados ou déssemos trabalho no lidar com os adultos nem conheciam psicólogas. Bom mesmo era o castigo de joelhos nos caroços de milho, uma boa surra e na escola a palmatória que aterrorizava qualquer criança. De acordo com a travessura a professora aplicava o “bolo” na palma da mão que inchava ardendo em forte dor. Não causava traumas nem conflitos.

Pela manhã bem cedo levantávamos todos, ao canto do primeiro galo. Íamos para a cozinha todas as netas e netos em grupo. Minha avó dosava o “medicamento” e dava de boca em boca do primeiro ao último neto e os agregados que moravam na casa grande. Usavam o purgante de erva de santamaria para curar as lombrigas. O purgante era tomado em jejum, na fazenda da minha avó com a chave enorme da porta da sala na mão, “simpatia” para prender o vômito. A chave ia de mão em mão e o cheiro era terrível!

Tínhamos que esperar por muitas horas para nos alimentar. Enquanto o purgante não fizesse “efeito”, isto é, enquanto não evacuássemos não poderíamos nos alimentar porque com o alimento ingerido as lombrigas não teriam como morrer para serem expelidas. Sob severa vigilância ficávamos à espera de uma distração. Às escondidas furávamos os deliciosos queijos de minas que meu avô tão bem preparava e cortávamos a rapadura com o facão para matar a fome que era negra. A despensa era testemunha das nossas muitas travessuras.

Esses casos de infância nunca serão esquecidos. Foi assim que cresci forte como o sou até hoje! Os recursos eram poucos e... Com sabedoria "Deus nos dava o frio conforme o cobertor"!

Amélia Luz
Enviado por Amélia Luz em 14/02/2023
Código do texto: T7718804
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