DINAH MARZULLO
DINAH MARZULLO
Nelson Marzullo Tangerini
Dinah Marzullo, minha mãe, foi uma atriz de Teatro de Revista. Enquanto atriz da Companhia Alda Garrido, trabalhou, em 1937, nas peças “O mártir do Calvário”, no papel de Rachel, e “Vai correr!”, no papel de Senhora. Dizia ela que não se achava uma grande atriz, que era uma “canastrona”. Porém, sua irmã, Dinorah, que dividiu o palco com ela e a mãe, a atriz Antônia Marzullo, dizia, que não, que Dinah trabalhava bem, principalmente em comédias. E que tinha charme e graça. Sua presença no teatro foi curta; abandonou-o cedo, penso, em virtude de um acidente grave ocorrido com meu pai, o teatrólogo Nestor Tangerini.
Era uma mulher muito divertida, que vivia cantando (imitando Carmem Miranda) e contando piadas. Ou inventando “cacos”, como se ainda estivesse no palco do Teatro Carlos Gomes, onde conheceu Nestor. Estava sempre sorridente e fazia troça das situações difíceis vividas por ela ou por nós. Apaixonada por música, era eclética e era fã de Ney Matogrosso, Raul Seixas, As Frenéticas (sua sobrinha, Sandra Pêra, era uma das meninas) e Paul McCartney. Costumávamos sair juntos para irmos ao cinema ou a shows.
Certa vez, Ney Matogrosso foi almoçar com Dinorah, minha tia, em seu apartamento, no Leblon. Sabendo que Dinah era fã dele, Dinô (era assim que a chamávamos) ligou para minha mãe para dizer-lhe que ele estava em sua casa. Dinah não se conteve e pediu para falar com ele. Resultado? Ganhou dois ingressos para o show Bandido, do ex vocalista do Secos & Molhados. Momentos antes do show de Ney, no Teatro Carlos Gomes, minha mãe confessou-me, baixinho, que fora ali que conhecera meu pai, em 1937. E que estivera naquele palco. Nestor Tangerini, encenou, naquele mesmo palco, algumas de suas lendárias peças para Teatro de Revista, pela Cia. Jardel Jércolis. No final do show, Dinah fez questão de conhecer pessoalmente o cantor.
Lia diariamente o Jornal do Brasil, e era leitora das colunas de Carlos Drummond de Andrade e, depois, de Affonso Romano de Sant´Anna, que veio a conhecer quando nos encontramos em “A estrela Dalva”, peça musical em que trabalhava Marília Pêra. Fã de sua sobrinha, Dinah não perdia uma peça da atriz.
Embora tenha abandonado o teatro, percebíamos que o teatro ainda estava impregnado em sua alma.
Amava literatura. E gostava de recitar trovas, sonetos e poemas que meu pai escreveu para ela.
Mas o Mal de Alzheimer deixou-a esquecida, fazendo-a lembrar-se apenas dos bons momentos que vivera no passado, ao lado de sua família. E foi nesse momento que ela recitava, comigo, a obra poética de meu pai. E cantava a valsa “Dona Felicidade”, de Benedito Lacerda e Nestor Tangerini, gravada, em 1937, por Castro Barbosa, para o selo RCA Victor.
Certa vez, estive com Dercy Gonçalves, que lançava uma biografia sua na Bienal do Livro do Riocentro de 2005. Falei com a atriz sobre a situação em que se encontrava minha mãe. E Dercy, que foi amiga de minha avó, Antônia, minha mãe e minha tia, e que trabalhou em peças do meu pai, demonstrou profunda tristeza pelo que estava acontecendo. Como Dinah ainda estava lúcida, falei-lhe que Dercy mandava um beijo para ela. Surpresa, ela disse: “- Dercy ainda se lembra de mim?”
No dia 15 de outubro (de 2005), Dinah e eu recitamos juntos poesias do meu pai. Quando o repertório acabou, ela me disse: “- Sou apaixonada por você”. Não sei até hoje se ela me confundiu com meu pai. Mas isso pouco me importa, porque fui o filho mais preocupado em preservar a obra do pai. E fiz isto a pedido dela. E, com o passar dos anos, publiquei "Na taba de Arariboia", crônicas e sonetos, “Dona Felicidade”, sonetos líricos, “Humoradas”, sonetos satíricos, “Sobre o beijo”, crônicas, e “Cinco sentidos”, letras de músicas e trovas.
A partir daquele dia, Dinah entraria em coma e nos deixaria no dia 22 de outubro de 2005. Mesmo em coma, lia para ela os versos de meu pai.
Penso que, naquele momento, Dinah revia toda a sua vida - como um filme. Sua vida foi um filme bonito, de rara beleza.
Após sua partida, recebi muitas mensagens lindas. Uma delas, de meu amigo Nelson Maia Schocair: “Dinah, neste momento, está bailando com seu pai, ao som da valsa “Dona Felicidade”.
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Nota:
Dinah Marzullo deixou três filhos: Nirton, Nirson e Nelson.
A atriz Antônia Soares Marzullo era mãe de Maurício, Dinah e Dinorah, filhos do primeiro casamento com o italiano Emílio Marzullo.