Com alegria do povo

O carnaval enfim chegou. De novo. Festa de alegria extrovertida, não comedida, oportuna a extravasamento total.

Tempo de ser grato pela bênção da colheita. Fartura na vida, gratidão aos deuses fictícios solícitos. Tempo de confraternização universal, abertas todas as cercas-limite de separação.

Chuvas de arroz e serpentina, em meio de batuques e charangas no bloco livre (de cordões) de mascarados, em dança animada, cujo cortejo é assistido pela plateia contagiada a balançar o esqueleto, a bater palmas, oscilando os braços...

Ai carnaval inexistente em minha simplicidade e nostalgia imaginária!

O povo sempre alvo da especulação há de ser tributado, se quiser ostentar a sua euforia psíquica em plena avenida.

Corretores de plantão sondam-lhe os passos ou intentos.

A inscrição jurídica revoga, apazígua o instinto punitivo do Estado que enxerga tecnicamente o ilegal, a não ser se tributado em alíquota precisa, para as empresas instituídas, que se debruçam ferozmente sobre o filão do rentável sem o qual é difícil levar a vida em preto e branco: um instante volátil etéreo de alegria.

O espírito desmascarado do carnaval, este generaliza-se em oportunidades a qualquer intento com a suspensão temporária de pudor, timidez e razão.

A emoção na represa do inconsciente não recebe o filtro do ego ou superego, e na convenção ou acordo do inconsciente coletivo, tudo é possível no espaço exíguo de avenida ou qualquer outro espaço em que se relacione.

O economista digita off em sua calculadora, porque perde a referência na progressão do aumento lógico dos preços de aluguel, alimento e outros.

Em torno do entrudo as expectativas fazem o cerco, acendendo a esperança de arrecadação, típica da festa, fora da qual não se tem obtido.

O imitador de mini empresário aposta no calor do verão. Disposto, encerra a fila quilométrica a fim de licença, paga! municipal, para um lugar no corredor da folia com a sua caixa de água gelada cuja garrafa ou copo não saem por menos que o dobro dos dias comuns, porque é carnaval.

Imóveis residenciais ou não, próximos ao circuito são camarote privilegiado a uma multidão de turistas, gringos ou não, que sem reserva de hotel, absolutamente esgotado de vaga, pagam o aluguel que excede ao equivalente de um ano, isto porque é carnaval.

Tarifas, taxas, impostos ao curso ou após o carnaval, por sua causa não sofrem protesto, argumento, recusa.

Ao lado de intentos monetários, outros se somam em menção da festa sem modéstia.

Quê culpa deve incidir-vos, donos de academia de fisiocultura, se entre os frequentadores, alguns tonificam os músculos durante o ano inteiro, na espera do espaço da folia para em ringue improvisado, fraturar mandíbulas, arroxear olhos, derribar, torturar, tirar e sair da alegria, libertados apenas na quarta-feira de cinzas, enquanto as suas vítimas são achadas em amargura nos prontos-socorros, por ser carnaval.

Culpemos a arbitrariedade, com imensa vaia, aos vândalos covardes, que invejam os casais de amantes, na inexistência de polícia próxima, espancam-nos, subtraindo-lhes pertences, maculando o carnaval.

Em novembro, provavelmente, o saldo vital da festa que agrada a Eros e a Baco, eclode e pede assistência maternal à que não exigiu o preservativo ou sem direito de fazê-lo, amada sem vontade, no inesquecível carnaval.

Sabeis o valor de uma fantasia, inestimável, para os que precisam da oportunidade de visibilidade cosmossocial ao vivo e em cores, que propicia o carnaval.

O mealheiro guarda este motivo, o de patrocinar o brilho e o luxo da portentosa fantasia da sua agremiação, a sua própria vida, e que todo mundo sabe e vê porque há carnaval (transmitido por TV).

Folião-pipoca soteropolitano jaz em baixo astral. Câmeras não filmam, não há zoom nem close; a exposição a injúrias cresce em probabilidade, diferente de quem porta abadá (tecido simples em estampa simples mas superestimado em cotação oficial, centuplicado em mãos de cambistas ou larápios de turistas): tem corda e elenco de importantes no cenário nacional, expostos a paparazzi ou acenos de camarotes vip, recheados de comidas caras e raras, bebidas nacionais e importadas e outros acessórios, garantindo conforto, bem-estar, segurança, por ser este o carnaval made in Bahia.

É verdade que o ânimo não se arrefece e a fé se acentua no fervor da oração vigilante pelos que gostam e não gostam, sem alteração dos ofícios divinos fora ou próximo da explosão da euforia, mesmo havendo carnaval.

Porque se encerra de promessas e nesse lema se renova, no uso da receita dessa festa a programas sociais; havendo inadimplência dos infiéis representantes do povo, outros que também se beneficiam da alegria popular poderiam aumentar o número dos que se comprometem com alguma assistência, tendo em vista amenizar as agruras de centenas de excluídos sociais, por gratidão ao carnaval.

Seraphim
Enviado por Seraphim em 13/02/2023
Código do texto: T7718109
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