Presépio de Natal
 
Quando chegava a tardinha de 24 de dezembro, eu e minha irmã, íamos ao terreiro cortar capim para encher nossos sapatinhos para o cavalo do Papai Noel comer, pois enquanto o cavalo comia, ele poria lindos presentes para nós.
É boa lembrança também dizer que os “sapatinhos” eram Alpargata Roda, feitas de uma 
lona avermelhada e a sola de sisal.
Eram um carinho para os pés que só andavam descalços, dedão roxo de tanto tropicar em tocos no chão e, quase sempre, coçando por conta do bicho-de-pé, mas também nem pensar em usá-las nos dias de chuva. 
Elas simplesmente desmanchavam.
Eram nosso calçado para os dias de grandes comemorações, como Natal, aniversário e, principalmente, acompanhar a procissão da sexta-feira santa, semana aliás que adorávamos porque na época não se comia carne, penteava os cabelos, ouvia rádio, xingava e, muito menos, batia-se nos filhos. 
Era nossa semana de alforria. 
Podíamos aprontar sem medo.
Na manhã do Dia de Natal a gente acordava mais cedo, ansiosos e, com os olhos remelentos,  abríamos os pacotes reluzentes e viva!!! o Papai Noel tinha vindo.
Eu ganhei certa vez um brinquedo estranho para o meu cotidiano. Era de lata, com furos. Tinha uma haste de ferro com uma espécie de engrenagem sem fim, onde eu apertava, apertava, apertava e o tal pião começa a rodar, rodar, rodar...
e emitia um som bonito de assobio.
As cores azul e vermelho brilhantes do pião, quando rodavam, me deixavam  tonto de tanta felicidade.
O som era magia pura. Eu deitava, punha o rosto no chão de terra vermelha, apertava o pião e ficava ali, enfeitiçado.
Uma geringonça maravilhosa. Coisa assim de não querer mais nada na vida, só ficar olhando aquele negócio girar zoando como o apito da Maria fumaça que passava ali por perto, nos informando todos os dias que eram 2h da tarde. Horário que sempre nosso pai mandava apartar os bezerros.
Esse trabalho infantil em dias normais era agradável, porque se podia montar no velho cavalo baio e trazer para o curral as vacas e os bezerros. Dali,  apartar os bezerros em um pequeno curral e depois devolver as vacas para o pasto para continuarem comendo.
Isso era feito e ainda é feito todos os dias, 
quer seja dia útil, feriado, chovendo ou fazendo, 
dia santo ou  mesmo dia de Natal.
A vaca não sabe nada de calendário e se não tirar o leite dela, zanga o úbere além de que se os bezerros mamarem demais é diarréia na certa.
Lá fui eu todo feliz com meu pião zonento e brilhante pro curral.
Deixe meu tesouro no cocho de chão, apartei os bezerros e voltei pra continuar minha doce magia natalina.
Curtir o brilho do meu pião.
Mas qual o que, as vacas também acharam estranho meu presente, e bateram as patas dianteiras no meu tesouro até deixá-lo plano como o fundo do cocho.
Acho que foi meu primeiro infarto. Subi a trilha até em casa com a minha latinha querida toda amassada. 
As lágrimas escorriam, misturando-se coriza e poeira.
Uma dor imensa. Sem fim!
Daí pra cá, sempre que monto um presépio de Natal, ponho tudo:cestinhos com menino Jesus, três reis magos, estrela cadente, musiquinha natalina, burrinho de José, luzinhas de pisca-pisca, etc. mas... vaquinhas no presépio?
Nunca mais.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 10/12/2007
Reeditado em 10/12/2007
Código do texto: T771802
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