Obra inacabada
As obras inacabadas se diferenciam e são muitas, inclusive a vida, mesmo que sonhada, a longo prazo, torna-se uma aventura inacabada para todos nós, cujos planos são interrompidos pela morte. Há obras de arte que, apesar de inacabada, como a 10ª Sinfonia de Beethoven, não perdem beleza, mesmo depois da extraordinária 9ª Sinfonia genialmente concluída. São coisas da existência que acontecem entre o espaço, o tempo e caminhos da vida. Mesmo vivos, quem não tem, espontânea ou forçosamente, uma obra inacabada? Porém, existe quem se caracterize em começar e não terminar, deixar tudo pela metade, ou prometer e não realizar, tampouco concluir.
Hoje, o artificialismo tecnológico se dispõe a completar obras inacabadas, ao que foi sujeita a 10ª de Beethoven. No nosso quotidiano, há trabalhos técnicos abandonados, nas gavetas ou no meio do caminho... Outros artísticos, como até algumas obras de Michelangelo, mesmo que não lhe tenha faltado mármore, talvez muito cansaço ou falta de inspiração, como é o caso da sua famosa “Pietà milanesa”, encontrada nos aposentos do artista. Depois, vem ele e nos surpreende com La Pietà, hoje, exposta na Basílica de São Pedro, no Vaticano.
Uma bela ideia, já transformada em plano, é como se fosse, potencialmente, uma aventura inacabada. A metáfora cria essas imagens, até comparando-a a um voo de pássaro que confia em suas asas e não temendo altitudes, ignorando o infinito, como Ícaro, desafiando mar, águas ou abismos. Parece encontrar, no obstinado voo, seu desígnio de voar. Há os que vivem para quebrar asas, já têm habitualmente seus próprios voos interrompidos.
Os poetas sabem dizer o que significa o voo de uma pássaro interrompido, sobretudo se as razões são menos fúteis do que a morte, o que está, inevitavelmente, no fim da vida de cada um, mesmo que goste de viver, mas, teoricamente considere a morte um absurdo, que abruptamente mata nossas asas, num instante, sem marcar dia e hora.
Cada um projeta circunstâncias, sejam elas previsíveis ou não, conforme a grandeza da sua alma. Às vezes, são projetos mesquinhos, maquinações, bem menores do que os necessários para amar e construir, sem aquela capacidade de sonhar a beleza das alturas de um prazeroso voo. Os sonhos podem tornar possantes as asas das nossas almas. Embora que se interrompam alguns projetos de vida, essas tempestades são passageiras e não destroem o significado das asas. Mais belo do que os projetos é sonhar, como a poíesis das nossas vidas, e dar asas aos sonhos que ultrapassem e cheguem à frente dos nossos voos, tendo como bússola que, na miragem, a grande liberdade não é poder ir, mas ter sempre afetuosa acolhida aonde voltar, como se fosse uma difícil e feliz odisseia. Como fazem os pássaros, indo e voltando, conforme a mutação das estações, não importa a claridade do Sol ou a obscuridade da noite, onde se tem algo de grandioso.
Nas Bacantes, de Eurípedes, mesmo no vaivém das palavras, concebe-se o sentido do que se poderia chamar a loucura da razão, a liberdade da liberdade, melhor do que o domínio do irracional. Liberdade também significa, aceitando ativa e criativamente, discernir e escolher o tipo e a forma de limitação que nos convém.