Lá fora
Lá fora parece que não vai chover. A previsão do tempo antecipou-se e veio a dizer: "É sábado, donde um céu azul clichê, com pancadas de verniz delirante, faz chover ondas de calor".
Há, lá fora, um fervilhar de gente apressada, calada ou falante, e apenas um semáforo para controlá-las. Quem as olha assim, compaixão, dá uma vontade de dizer: "Não corram atrás das borboletas!". Mas o sujeito, se tem um tantinho de sanidade visual e abstêmio de nascença, logo retifica a mensagem, ao perceber que, lá fora, borboletas não há mais.
Sumiram-se todas. Em seu lugar, surgiram a camada de ozônio, o efeito estufa, os carros automáticos, o limpador nasal, o Google Glass, o Tinder Thundercat.
Lá fora, as borboletas de ontem são as coisas materiais de hoje. Não há espaço para jardins: duas mil árvores abaixo, uma ponte Rio-Niterói acima. Lá fora, impera o metal, o concreto, o esperto. Lá fora, borboletas não sobrevivem, quando muito as Pastilhas Valda.
Lá fora, é preciso construir mais semáforos para acomodar os desacomodados, pontes Rio-Niterói para ligar os opostos, carros automáticos para facilitar a transição de marchas, limpadores nasais para desobstruir as vias aéreas, reformular o regulamento de sobrevivência na selva asfáltica. Depois, menos urgentemente, a gente pode pensar na extinção das borboletas e no por que de seu sumiço.
Até lá, porém, o homem ainda tem um longo caminho a percorrer ao redor de seu umbigo. Antes, portanto, é preciso compreender a extinção das borboletas e a sobrevivência das Pastilhas Valda, para além da concepção de mercado, também do ponto de vista sociológico e principalmente abstêmio.