TERRÍVEL PRIVILÉGIO.
Essa é uma manhã qualquer de Fevereiro.
Eu gosto de acordar cedo, costume herdado da época em que trabalhava na fábrica, no primeiro turno. Levantar antes do sol nascer se transformou em um hábito do qual eu não consigo me ver livre. Em tempos atuais, onde tenho certa liberdade ( controlada ) de horário, me possibilitando acordar um "pouco" mais tarde, eu não consigo, acordo sempre antes das cinco da manhã. É uma situação incômoda, irritante. Outra consequência de meus nada agradáveis anos de servidão em chão de fábrica, e talvez a razão pelo hábito tão vespertino, é o fato de nunca conseguir dormir muito tarde. Diferente de muitos dos meus amigos, acostumados a dormir depois da meia noite, eu não consigo passar das vinte e duas horas com os olhos abertos.
Por isso esse terrível privilégio de acordar antes do sol nascer.
É início de semana, os ponteiros escalam as primeiras horas de uma manhã de chuva fina, eu me encontro na sacada da minha casa. "Me considero um observador silencioso", tento captar cada detalhe do movimento tímido da rua.
Essa semana iniciou as aulas.
De frente a minha casa tem duas escolas, portanto, o movimento pacato e ordeiro da rua começa a perder o controle. Alunos e alunas vindos de todos os lados, disputando espaço com carros e motos. É o fim da calmaria e quietude. Os uniformes novos dos alunos desfilando em corpos sonolentos e preguiçosos, detalhes em verdes combinado com a calça. Mochilas nas costas, gritos, abraços, buzinas irritantes dos mais apressados.
Até o momento, nenhuma novidade debaixo do sol. Continuo observando silenciosamente.
A minha mente divaga, passeia no palco do mundo. Lá fora as grandes potências continuam em queda livre, o caos se ramifica por todos os lados, porém, ninguém parece perceber que o mundo está à beira de um abismo sem volta. Como diz o verso de uma canção: "Todo mundo é uma ilha, a milhas de distância de qualquer lugar".
Os primeiros dias de Fevereiro revelam certa estranheza para este observador. Por vezes chuvoso e frio, terminando com sol e calor. Em outras ocasiões, o mormaço do dia castiga, porém, o fim de tarde é de nuvens pesadas e chuvas fortes, alagando os lugares mais baixos a nível do rio.
Quanto às mentes e os corações de alguns brasileiros, percebo uma luta constante, não aceitando o que está diante dos olhos. No entanto, nem tudo o que se vê, de fato é a verdade absoluta. O momento veste os acontecimentos de uma falsa verdade, mostrando-se para cada descuidado observador a sua soberania disfarçada. Assim como lá fora, aqui no Brasil o abismo é logo ali. Estamos há um passo do fim absoluto, ou, de um longo recomeço, basta a direção para saber qual será o destino provável do viajante.
No momento eu desejo coisas impossíveis, sonho com elas constantemente. Entristeço por saber da não verdade, e a minha não verdade nem sempre agrada os meus devaneios. Tenho que aprender a conviver com a dureza da minha realidade diária.
Os dias são de tempestade, é o que tenho a dizer, eu não posso mudar o curso das nuvens, contudo, são essas mesmas nuvens as responsáveis por mudar o curso da minha e de tantas outras vidas em meus dias.