Essa casa velha é meu “EU”

Debaixo do pé de manga depois do almoço tirei uma cesta, ouvi um rangido da janela, o fechar para os pernilongos não entrarem, afinal era uma tarde quente, o ar rarefeito e luz da lamparina em cima da mesa.

Não foi difícil transpor o portão: um ligeiro empurrão e ela se abriu, devagar, rinchando nas dobradiças. Vi avançando por entre o mato do jardim. Alguma coisa deslizou junto ao meu pés – um rato, certamente, ou mesmo um lagarto. Engoli em seco e prossegui a caminhada, seguindo meus pensamentos.

Ao chegar a varanda, notei algo que estava me seguindo. Mas não dei bola, afinal nada tinha visto entrei continuei. Adentrei na casa, os degraus de pedra em plena escuridão e tateando pela parede à procura da porta. Tinha trazido comigo uma caixa de fósforos e uma vela, mas não era prudente acendê-la ali: poderia chamar a atenção de alguém na rua, algum guarda-noturno rondando por lá.

Encontrei a porta do quarto sem forçar abri o trinco. Estava trancada por dentro, não teve jeito de abrir totalmente. Era tão fraca, a madeira parecia podre, e eu seria capaz de arrombá-la com um pontapé, só que faria muito barulho. Preferi forçar a janela que dava também para a varanda. Era só quebrar o vidro, meter a mão e puxar o trinco.

Como estava de sapatão e bati fortemente com o salto no vidro, que se espatifou num tremendo ruído. Assustando fiquei, meu primeiro impulso foi fugir correndo.

Como não aconteceu nada, ao fim de algum tempo resolvi continuar a minha missão. Já aberta a janela, pulei. Já dentro de casa, eu arrisquei a acender a vela.

Era uma sala grande, onde não tinha nada, a não ser poeira e manchas de mofo pelas paredes forrados de papel estampado. A chama da vela, trêmula, projetava sombras que se mexiam, pelos cantos, ameaçadoras, enquanto avançava.

Levou pouco tempo eu vi que ali embaixo só havia uma cozinha, onde várias baratas fugiram correndo pelo chão de ladrilhos encardidos, um quartinho e com janelões dando para rua, mais nada.

Puxa!! Parece que reconheço esse lugar? Restava subir as escadas e investigar o que havia nos quartos lá em cima.

Subi devagarinho conduzindo a vela, como estava só não tinha ninguém para me agarrar. Procurava não fazer barulho, mas os degraus de madeira da escada, já meio podres, rinchavam, dando estalinhos debaixo de nossos pés.

No segundo andar, empurrei a porta do primeiro quarto no corredor e entrei. Era um quarto grande, mas a vela não dava para ver nada, a não ser a nossa própria sombra, projetada na parede. Foi quando, de súbito, a luz acendeu e tudo se iluminou.

Acordei do cochilo, por um instante eu percebi que segurava um espelho de mão, deslumbrados com aquela claridade e eu voltei para ver quem tinha acendido a luz. Era o clarão do sol agonizando, dei um grito de pavor – sentado na cadeira balanço debaixo da frondosa mangueira estava um velho cansado, alta barba suja, cabelos desgrenhados, olhando no espelho, com as mãos trêmulas:

--- Percebi que era eu acordando dum pesadelo!!!

Jova
Enviado por Jova em 10/02/2023
Reeditado em 13/02/2023
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