LACERDINHAS! A CAUSA DO NOSSO CHORO.

 

   Na minha cidade, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, a principal e a mais bela avenida tem o nome do presidente Afonso Pena.

     Ali há árvores imensas, figueiras, e, por curiosidade quanto à sua origem, saí vagando pela internet e me deparei com a reportagem da jornalista Paula Maciulevicius, no site do jornal eletrônico campo grande news, em 2013. 

     A história é interessante, foram pecuaristas do sul do Mato Grosso que, indo até a Índia em busca de gado zebu, para aprimorar nosso rebanho bovino, trouxeram as mudas das figueiras que chegaram à cidade nos vagões da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

     Quando me dei por gente, elas já eram imensas, dando sombra e abrigando pássaros. A majestade dessas árvores é impressionante. Árvores são árvores, não carecem de adjetivos, não é mesmo?

     Eu era menino, sete ou oito anos, e as figueiras da Avenida Afonso Pena tornaram-se um estorvo. Uma praga nos invadiu. É que nas suas folhas abrigavam-se insetos voadores minúsculos, quase microscópicos, voando em nuvens escuras e, quando uma dessas nébulas negras envolvia um cidadão, menino ou velho, fechávamos os olhos o mais que podíamos.

     O tal inseto queimava como fogo, colocava o humano agredido para chorar por longo tempo, queimava a esclera, a conjuntiva e se enfiava pelos canais lacrimais, trazia as imagens do inferno e as lavas do Vesúvio sobre o pobre cidadão.

     O prefeito da cidade decidiu por uma solução radical: cortar as figueiras da Avenida Afonso Pena! E, de fato, começou a obra sinistra, decepando todas as figueiras acima do Obelisco. O povo reagiu, impediu o corte das árvores abaixo da rua José Antônio Pereira.

     O drama do lacerdinha continuava.

     Lacerdinha? Que raios de animal era esse?

     Simples, já disse, um inseto. O nome vinha do Carlos Lacerda.

     O tal Carlos Lacerda era um jornalista e político da UDN - União Democrática Nacional - a direita brasileira nas décadas de 50 e 60. Foi governador do Estado da Guanabara (hoje a capital do Rio de Janeiro), proprietário do jornal A Tribuna da Imprensa e fundador da Editora Nova Fronteira.

     Esse era seu lado bom! O ruim é que Lacerda tinha uma lingua e uma pena ferinas, terrível, destruía quem se lhe opusesse, com tinta e prensa.

     Sua oposição histórica ao Presidente Getúlio Vargas levou o Seu Gegê ao suicídio. Foi pouco antes dessa tragédia que ele quase foi morto em um atentado na rua Toneleiros, no Rio de Janeiro, e, descobriu-se, o Anjo Negro de Getúlio, o chefe da segurança Gregório Fortunato, estava envolvido no crime.     

     Tudo bem, mas o que eu, um menino de oito anos de idade, livre, que andava pela Avenida descalço, sem camisa, queimado do sol; o que eu tinha a ver com Carlos Lacerda? Nada, não tinha nada a ver, mas a disgrama do lacerdinha tinha.

     Nas minhas andanças infantis, atrás das mangas maduras, brincando com as formigas cabeçudas, eu acabava tendo uma relação estreita com o medonho Carlos Lacerda: eu chorava o choro do Getúlio quando encontrava as miríades daquele bichinho desprezível.

     Assim como o Lacerda teve seu fim e, cassado pelos militares, escafedeu-se da cena política do país, também os lacerdinhas, sem que eu saiba como, sumiram da minha vida e da cidade.