Com dom Luiz Flávio,
e não abro
Deixem, por favor, o rio São Francisco em paz.
Este apelo eu venho fazendo, desde que os predadores oficiais do Velho Chico ousaram autorizar a transposição das águas do rio são-franciscano.
Sob o argumento de que, com a transposição, o governo federal vai matar a sede e a fome de parte do Nordeste, está em marcha acelerada o que dom frei Flávio Cappio, com lucidez e propriedade, chama de "hidronegócio".
Na corajosa entrevista que acaba de conceder ao jornal A Tarde, de Salvador, o destemido prelado mostra, através de dados técnicos irrefutáveis, por que é contra a transposição. Para, em seguida, sem medo, afirmar: "É a negociata do século."
Daí, a razão do seu protesto, submetendo-se a um rigoroso jejum - que já se estende por vários dias - às margens da barragem de Sobradinho, no Norte da Bahia.
Achando, como acho, que dom Flávio tem razão, não hesitei em acompanhá-lo nesta santa cruzada. E desde o primeiro momento.
Filho légitimo do "polígono da seca" - sou do Ceará - sempre acreditei, que para minorar a dor, a aflição, o sofrimento do pessoal do semi-árido brasileiro não será necessário mutilar o São Francisco, alterando, inclusive, o seu curso, obra da mão de Deus.
No momento em que vive a Pátria amada, com a corrupção ganhando cada vez mais espaço nas entranhas de governos perdulários, acho uma temeridade mexer, como querem os artífices da transposição, no São Francisco.
Confiar a execução de um projeto de tamanha envergadura a políticos e administradores "espertos", alguns com sua Folha Corrida a merecer reparos...não será uma boa. Diante deles, até as lendárias carrancas do Velho Chico se assustam!
A verdade é que os beneficiários - direta ou indiretamente - da transposição insistem em condenar a atitude do bispo Cappio. Esperar o quê deles?
Houve até um determinado ministro, que se dizendo católico, jurou que a sua Igreja não é a mesma que acolhe o prelado em jejum! Declaração que causou certo mal-estar: o ministro não é visto freqüentando os templos de Salvador, com a assiduidade que se espera de um bom cristão.
E não teria dificuldades em fazê-lo. Só a capital baiana, de acordo com nossos melhores ficcionistas, cordelistas, contistas, cronistas, cineastas, jornalistas, historiadores, poetas, compositores, teatrólogos e romancistas, tem 365 igrejas.
*** *** ***
Tenho pelo rio São Francisco um carinho especial. Primeiro porque ele tem o nome do meu santo protetor; chamado, por isso, de "o rio dos pobres"; e aos pobres ele vem ajudando ao longo dos seus 2.800 km de extensão, desde a mineira Serra da Canastra, até a valorosa Alagoas, onde ele, finalmente, descansa nos braços do mar.
Segundo porque, depois de tanto visitá-lo, guardo um pouco da sua história e alguns dos seus segredos que me foram contados pelos felizes ribeirinhos, barranqueiros, ex-comandantes das extintas Gaiolas.
Na simpática Petrolina, por exemplo, estive dezenas de vezes. Na casa dos meus compadres Recy e Míuvia Mororó - construída numa paradisíaca ilha do velho rio - saboreei deliciosos surubins, o peixe que o saudoso jornalista Carlos Lacerda chamou de "o bacalhau do São Francisco".
Recentemente, quando visitava Penedo, passei um dia na foz do grade rio. De lancha a motor, gasta-se 45 minutos da centenária e esquecida cidade alagoana, até o encontro do rio com o oceano.
Fiquei extasiado ao testemunhar, com Ivone, o abraço trocando entre o São Francisco e o Atlântico. Lá, tomei aquele banho! E aproveitei para reafirmar minha lealdade à nobre campanha de dom frei Luis Flávio, que já começa a atrair simpatizantes; pessoas de bom senso, oriundas de todo o Brasil.
Falta-lhe, entretanto, a palavra oficial da sua entidade de classe, a CNBB. É valiosa, mas de peso relativo, a solidariedade lavada a dom Cappio por alguns bispos diocesanos mais esclarecidos.
Contudo, parece-me indispensável um pronunciamento oficial da Conferência episcopal, mesmo que seja para condenar o jejum do seu ilustre filiado.
Um sacrifício muito criticado.
Mas dom Flávio, respondendo aos maledicentes, declara: "meu jejum e oração não e mera greve de fome, não sou suicida nem adepto da eutanásia. Uma das mais profícuas tradições bíblicas e cristãs é o jejum e a oração, necessários para expulsar certos demônios."
O frade bispo conclui sua entrevista ao jornal A Tarde - que desejo tenha alcançado ampla repercussão dentro e fora do Brasil -, com uma frase que ficará para a posteridade: "Não quero morrer, mas a vida do rio e do povo do rio e de todo o sertão nordestino vale meu sacrifício, se tiver que consumá-lo."
Espero que ele saia dessa vitorioso.
Mas se prevalecer a insensatez, a teimosia, a ponto de levá-lo ao cemitério, que esta sua frase seja gravada, em letras de ouro, em todos os locais por onde passa o Velho Chico; menos, claro, nos canais que o governo pretende construir, desfigurando-lhe o perfil original...
Estou, vou repetir, com dom Flávio, e não abro.
E que se danem os predadores oficiais.
e não abro
Deixem, por favor, o rio São Francisco em paz.
Este apelo eu venho fazendo, desde que os predadores oficiais do Velho Chico ousaram autorizar a transposição das águas do rio são-franciscano.
Sob o argumento de que, com a transposição, o governo federal vai matar a sede e a fome de parte do Nordeste, está em marcha acelerada o que dom frei Flávio Cappio, com lucidez e propriedade, chama de "hidronegócio".
Na corajosa entrevista que acaba de conceder ao jornal A Tarde, de Salvador, o destemido prelado mostra, através de dados técnicos irrefutáveis, por que é contra a transposição. Para, em seguida, sem medo, afirmar: "É a negociata do século."
Daí, a razão do seu protesto, submetendo-se a um rigoroso jejum - que já se estende por vários dias - às margens da barragem de Sobradinho, no Norte da Bahia.
Achando, como acho, que dom Flávio tem razão, não hesitei em acompanhá-lo nesta santa cruzada. E desde o primeiro momento.
Filho légitimo do "polígono da seca" - sou do Ceará - sempre acreditei, que para minorar a dor, a aflição, o sofrimento do pessoal do semi-árido brasileiro não será necessário mutilar o São Francisco, alterando, inclusive, o seu curso, obra da mão de Deus.
No momento em que vive a Pátria amada, com a corrupção ganhando cada vez mais espaço nas entranhas de governos perdulários, acho uma temeridade mexer, como querem os artífices da transposição, no São Francisco.
Confiar a execução de um projeto de tamanha envergadura a políticos e administradores "espertos", alguns com sua Folha Corrida a merecer reparos...não será uma boa. Diante deles, até as lendárias carrancas do Velho Chico se assustam!
A verdade é que os beneficiários - direta ou indiretamente - da transposição insistem em condenar a atitude do bispo Cappio. Esperar o quê deles?
Houve até um determinado ministro, que se dizendo católico, jurou que a sua Igreja não é a mesma que acolhe o prelado em jejum! Declaração que causou certo mal-estar: o ministro não é visto freqüentando os templos de Salvador, com a assiduidade que se espera de um bom cristão.
E não teria dificuldades em fazê-lo. Só a capital baiana, de acordo com nossos melhores ficcionistas, cordelistas, contistas, cronistas, cineastas, jornalistas, historiadores, poetas, compositores, teatrólogos e romancistas, tem 365 igrejas.
*** *** ***
Tenho pelo rio São Francisco um carinho especial. Primeiro porque ele tem o nome do meu santo protetor; chamado, por isso, de "o rio dos pobres"; e aos pobres ele vem ajudando ao longo dos seus 2.800 km de extensão, desde a mineira Serra da Canastra, até a valorosa Alagoas, onde ele, finalmente, descansa nos braços do mar.
Segundo porque, depois de tanto visitá-lo, guardo um pouco da sua história e alguns dos seus segredos que me foram contados pelos felizes ribeirinhos, barranqueiros, ex-comandantes das extintas Gaiolas.
Na simpática Petrolina, por exemplo, estive dezenas de vezes. Na casa dos meus compadres Recy e Míuvia Mororó - construída numa paradisíaca ilha do velho rio - saboreei deliciosos surubins, o peixe que o saudoso jornalista Carlos Lacerda chamou de "o bacalhau do São Francisco".
Recentemente, quando visitava Penedo, passei um dia na foz do grade rio. De lancha a motor, gasta-se 45 minutos da centenária e esquecida cidade alagoana, até o encontro do rio com o oceano.
Fiquei extasiado ao testemunhar, com Ivone, o abraço trocando entre o São Francisco e o Atlântico. Lá, tomei aquele banho! E aproveitei para reafirmar minha lealdade à nobre campanha de dom frei Luis Flávio, que já começa a atrair simpatizantes; pessoas de bom senso, oriundas de todo o Brasil.
Falta-lhe, entretanto, a palavra oficial da sua entidade de classe, a CNBB. É valiosa, mas de peso relativo, a solidariedade lavada a dom Cappio por alguns bispos diocesanos mais esclarecidos.
Contudo, parece-me indispensável um pronunciamento oficial da Conferência episcopal, mesmo que seja para condenar o jejum do seu ilustre filiado.
Um sacrifício muito criticado.
Mas dom Flávio, respondendo aos maledicentes, declara: "meu jejum e oração não e mera greve de fome, não sou suicida nem adepto da eutanásia. Uma das mais profícuas tradições bíblicas e cristãs é o jejum e a oração, necessários para expulsar certos demônios."
O frade bispo conclui sua entrevista ao jornal A Tarde - que desejo tenha alcançado ampla repercussão dentro e fora do Brasil -, com uma frase que ficará para a posteridade: "Não quero morrer, mas a vida do rio e do povo do rio e de todo o sertão nordestino vale meu sacrifício, se tiver que consumá-lo."
Espero que ele saia dessa vitorioso.
Mas se prevalecer a insensatez, a teimosia, a ponto de levá-lo ao cemitério, que esta sua frase seja gravada, em letras de ouro, em todos os locais por onde passa o Velho Chico; menos, claro, nos canais que o governo pretende construir, desfigurando-lhe o perfil original...
Estou, vou repetir, com dom Flávio, e não abro.
E que se danem os predadores oficiais.