Ainda é tempo de Bangue-Bangua - Cine Santana
Ainda é Tempo de Bangue-Bangue – Cine Santana.
Uma nuvem de poeira, um cavaleiro a galope, o mocinho chegando, o “salloon”, moças sedutoras dançando ou armando conquistas amorosas, o jogo de cartas, o uísque para animar a festa, pistoleiros em bando, o fora-da-lei violentando os justos, o xerife, o comando, as encrencas, o forasteiro, o tiroteio, a pontaria certeira, as brigas, as repetidas confusões.
Lembro-me assim menina, dos filmes de faroeste: Paramount, Columbia Pictures ou a Metro Goldwin Mayer espalhando emoções sensacionais. Vejo o Cine Santana do Sr. José Jardim exibindo as películas. Bem vestida, a Dona Rosa, sempre sorridente recebia as entradas. Herinete no alto-falante anunciava o filme chamando para a próxima sessão, ao som do prefixo “O Guarani”. Naquele tempo era comum, os meninos saírem em grupo, com o cartaz do filme do dia, anunciando em alta voz, também com o auxílio de um alto-falante, que eles repetidamente, a cada esquina, levavam à boca e somente com a força dos pulmões gritavam, entre outros sucessos de bilheteria:
- Alô, alô, atenção! Não percam hoje, às dezenove horas o sensacional filme “Sete Homens e um Destino”, estrelando YYYul Briiiinner! Assim, de graça, recebiam o ingresso. Descalços, sem nenhuma preparação lá iam assistir aos bons filmes ou seriados da época.
Acompanhava a minha turma, mesmo sob os protestos. Em euforia nos sentávamos à espera das grandes emoções. Éramos seguidores fiéis dos mocinhos e suas espetaculares aventuras nos seriados famosos. Tínhamos nossas preferências: Tom Mix, Roy Rogers e seu cavalo Trigger , eram os meus escolhidos, heróis inesquecíveis da minha infância. Colecionava todos os seus “gibis”. Comecei a desenvolver o gosto e o hábito pela leitura através das revistinhas de bangue-bangue (em quadrinhos) que prendiam a minha atenção. Viajava na trilha dos mocinhos e bandoleiros que instigavam a minha criatividade e imaginação. Celebrávamos John Wayne, justiceiro consagrado, ao lado de John Ford, Gary Cooper, Yul Brinner e tantos outros mestres que renderam bilheterias afortunadas para Hollywood.
Víamos também Gene Autry, Bufallo Bill e Rocky Lane, corajosos caubóis do tempo das grandes platéias, embriagadas pela saga do Velho Oeste americano. Os Pioneiros destacavam-se na busca do Eldorado, no Texas ou, sobretudo, na lendária Califórnia. Sem falar no Zorro, com seu cavalo Silver e o aliado companheiro Tonto e no Forte Apache da série As Aventuras de Rin Tin Tin, um cão ensinado que levava muita gente grande aos cinemas. Penso ter aprendido bastante Geografia e História pesquisando e localizando nos mapas os estados da América do Norte e todos os seus territórios. Lembro-me dos valores e das imagens dos citados pioneiros do oeste, projetadas ao mundo com fantasia, movimento, ação, verdades e mentiras, que nasciam umas para as outras.
O bem vencia o mal na figura inigualável do pistoleiro bravio que aparecia como mágica de um momento para o outro e resolvia todas as questões, despertando nossos sentimentos nas conquistas que sempre aconteciam em cenários inesquecíveis. As planícies, o “cannyon”, as Montanhas Rochosas, o Colorado, o Texas, Oklahoma e a famosa Califórnia, como disse, o Eldorado dos sonhadores gananciosos. Índios Comanches, Cheyennes, Kyowas ou os imbatíveis Apaches, com suas lutas tribais, guerreando com o homem branco, representado pela força armada americana, na disputa pelas terras cobiçadas, pertencentes às grandes nações indígenas. O ouro enfeitiçador atraía os bandoleiros à caça de riqueza fácil. O telégrafo, o trem de ferro, as estradas eram importantes aliados no desbravamento das terras virgens, descortinando para os ianques novos e desconhecidos caminhos. A caça aos búfalos, a derrubada das florestas, a travessia do grandes rios Mississipi / Missouri no sul e outros tantos da grande América que surgia.
Lembro-me dos tratados, dos acordos entre os chefes das nações, do mocinho interferindo ao lado dos oprimidos até que o Cachimbo-da-Paz pudesse fumegar e encerrar a história. Vitórias e derrotas, bandidos e justiceiros lutando pelos seus ideais.
Trago comigo todas essas lembranças de um tempo alegre de criança em que a violência estava bem distante de nós, presa na fantasia das telas do cinema, com seus tiros de festim, numa grande brincadeira encenada, que venceu décadas de sucessos.
Então, sem alvos, sem vítimas, sem balas perdidas, sem assaltos ou seqüestros comuns nos dias atuais, nos divertíamos muito.
Hoje, os mocinhos, as lutas, as conquistas, o colorido sem igual dos filmes de faroeste estão distantes do interesse da criançada dominadas por novas tecnologias. Somente os mais antigos revivem as cenas dos tempos das diligências com especial nostalgia. O gênero continua a prender as atenções dos espectadores de outrora, trazido na poeira de um tempo inesquecível que deixou saudades.