Pequenas histórias 298

O noivado

Como conquistar os familiares da namorada

ou

Como ser agregado sem ser um chato

ou

Como ficar noivo sem interferência alheia

ou

Como ficar noivo sem fazer festa

A árvore, na opinião geral, estava bonita. Alguns até exageravam afirmando que estava mais bonita que do ano passado. Exagero, bonita estava, mas não como os anos anteriores, pois cada ano tinha sua parcela de beleza.

E os presentes? Não podiam dizer que estivessem menos ou mais bonitos que os anos anteriores. De fato, tinha pacotes de todos os tipos, uns mais enfeitados e maiores que os outros. Parecia uma disputa, um torneio para ver quem apresentava o pacote mais bonito do ano. Colocados em baixo da árvore, devido à quantidade, ultrapassava quase o meio do belo cipreste enfeitado.

E as adivinhações corriam soltas entre as pessoas:

- Ah! Este pequeno é de fulano.

- Aquele bonito é do sicrano.

- O grande ali é do beltrano.

- Esse aí é preciso cautela.

- Por quê?

- Não soube o que ele fez o ano retrasado?

- Não, o que foi?

- O ano retrasado não teve amigo sacanagem, só o amigo ladrão.

- Sei, fiquei sabendo.

- Então, o danado colocou na roda uma calcinha vermelha, toda enfeitada, minúscula.

- Queira ver. E quem pegou?

- Fui eu, e ninguém quis trocar comigo, acabei ficando com a calcinha...

- Ah, mas também fiquei sabendo que ele fez uma bela surpresa para a namorada.

- Foi mesmo, isso tiro o chapéu para ele, surpreendente.

- E o que foi?

- Foi uma caixa enorme toda enfeitada com desenhos da Betty Boop cheia de bombons de todo e qualquer tipo, e no meio dos bombons tinha um secador de cabelo, bonito, ultimo tipo e uma bela camiseta. A mulherada ficou babando e os homens com inveja.

- Ouvi dizer que foi um comentário tremendo, não foi?

- Claro que foi. O cara é esperto.

- Esperto? Por que esperto? Não vejo nisso esperteza nenhuma, mas sim, romantismo.

- Digo esperto porque aproveitou o casamento da prima da namorada para se apresentar aos familiares da namorada.

- Ah concordo com você.

- Então, todo mundo perguntava durante a cerimônia quem era aquele rapaz, e na festa ele foi apresentado, causando comoção geral.

- E esse ano o que será que ele vai aprontar?

- Olha não sei, só espero que ele não tenha me tirado.

- Está com medo é?

- Não é medo, é...

- É o que então?

- Sei lá o que ele vai aprontar...

A noite, apesar da chuva que não parava, estava agradável. As conversas rolavam em paralelas, em transversais, os pratos uns mais atraentes que os outros, o chope nos trinques, como se diz na gíria alcoólica, em fim tudo transcorria as mil maravilha.

- Pessoal, vamos começar a abrir o amigo secreto? – perguntou a anfitriã.

E assim, aos poucos o pessoal foi se reunindo em volta da bela árvore abarrotada de presentes. No momento em que todos estavam reunidos, a anfitriã tomou novamente a palavra:

- Pessoal esse ano vamos fazer diferente. Ao invés de adivinhar quem tirou quem, vamos direto, sorteamos um nome e a pessoa sorteada já fala quem ela tirou, e assim sucessivamente, certo?

- Certo – disseram em coro.

Dessa maneira o fulano foi o primeiro sorteado. Ele tirou o sicrano. Este abriu seu presente sacanagem e chamou quem ele tirou e, assim sucessivamente um a um os pacotes iam sendo abertos em meio às gargalhadas, brincadeiras, e piadas proferidas aqui e ali. Por fim, chegou ao que todos esperavam. Chegou à vez de beltrano. No meio da sala, pisando em papéis picados, pedaço de folhas, papelões rasgados, pairou um silêncio absurdo, todos na expectativa aguardavam ansioso quem beltrano tinha tirado. Segurando o enorme pacote, começou:

- Bom... – os olhares recaíram sobre ele – meu amigo secreto não é homem.... – aliviados suspiraram os homens...

- Ainda bem estamos livres.

- Hein, você nos enganou, disse que tinha tirado o...

- É, mas não é meu amigo secreto é uma mulher...

- Ah! Não diga, pensei que fosse um ET – gracejaram.

- Encurtando o suspense...

- Acho bom – gritou uma voz feminina no fundo da sala.

- Isso mesmo, já está demorando – ouviu-se outra.

- Pois bem, minha amiga secreta é...

Silêncio. Todos mudos esperaram o pronunciamento.

- É minha namorada.

As mulheres aliviadas suspiraram e os homens num só voz, gritaram.

- Marmelada, marmelada, marmelada...

Meio apreensiva, ela pegou o enorme pacote das mãos dele, beijando-o na boca.

- O pai, não vê esse despudor na frente de todo mundo?

- Vamos parar com essa beijação.

- Deixe para fazer isso depois que casarem.

Por fim, sem se importarem com as piadinhas, se separaram.

- Espero que goste – disse ele se pondo ao lado.

Ela pegou o enorme pacote encostando ao ouvido como se quisessem ouvir alguma coisa.

- É uma bomba – berrou alguém.

- É uma moto – gracejou outro.

- Não tem nada, está vazio – disse a mãe.

Lentamente abriu o pacote, isto é, a imensa caixa. Dentro só havia papéis picados.

- Em cada lado da caixa tem um embrulho, tire na ordem, e no fundo tem outro, cuidado – disse ele antes que ela enfiasse a mão no meio dos papéis picados.

Em cima tinha um bilhete ao qual ela leu em voz alta:

- Já que estamos em um novo momento de nossas vidas, com apartamento quase pronto, novo, vou te ajudar a enchê-lo.

Primeiramente retirou o embrulho que estava no lado direito da caixa. Tinha um rodo e uma vassoura de brinquedo e um bilhete.

- Com a vassoura e o rodo para você limpar a saudade...

A algazarra foi geral.

- O único poeta aqui é o pai da namorada.

- Que romântico.

- Ei, silêncio, vamos ouvir o resto.

No segundo pacote tinha uma batedeira, também de brinquedo e um bilhete.

- Com a batedeira para você fazer os sonhos que construiremos juntos.

Novamente a algazarra invadiu o espaço numa gritaria só. Foi preciso a anfitriã gritar para que se acalmassem.

- Vamos ouvir e ver pessoal, silêncio!

No terceiro pacote tinha um liquidificador, de brinquedo e o bilhete.

- Com o liquidificador faremos os mais gostosos bolos de amor.

- Mais um poeta na família – gritou uma voz.

- Quando se ama todo mundo é poeta – gritou o pai da namorada.

- Silêncio – pediu a anfitriã.

No quarto pacote, havia um rolo de macarrão, e o bilhete.

- Com o rolo de macarrão, amaciaremos os nós de nossas vidas.

Palmas e vivas estrugiram numa só voz de parabéns.

Emocionado, revelando um nervosismo, ele disse:

- O último pacote esta no fundo da caixa, cuidado.

Jogando os papéis picados para fora da caixa, ela retirou do fundo uma caixinha vermelha de veludo tendo em cima um bilhete:

- Agora só falta casarmos.

E dentro um par de alianças.

A partir daí ninguém mais entendeu ninguém. Abraços e beijos de felicitações correram de um ao outro. Exclamações de admiração foram proferidas, até que a calma voltasse a reinar novamente.

Tempos depois, um pai feliz, tomando seu chope, pensava numa pergunta que, antecipadamente, sabia que não tinha resposta.

- Se trinta anos atrás, seguisse minha vontade e, não a vontade alheia, como teria sido a minha vida de casado hoje?

Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 07/02/2023
Código do texto: T7713377
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