AVENIDA SUBURBANA
O sonho do Sousa era servir na sua terra, afinal foi com esse objetivo que entrou para a Marinha. Nascido e criado no bairro da Ribeira, sua principal atividade de laser quando não estava ajudando o pai na venda de pescados no mercado de peixes era se esbaldar nas águas calmas e mornas da praia da Penha.
Outra atividade do seu pai quando não estava pescando era a travessia de moradores de Plataforma para os Tanheiros, o que, além de proporcionar meio de transporte ajudava no sustento da casa com algum dinheiro cobrado nas passagens.
Os moradores do subúrbio só contavam com o trem da Leste que partia de Paripe até a estação da Calçada. Além desse meio de transporte, aventuravam-se em Canoas e traineiras na travessia de Plataforma para a Ribeira onde podia-se pegar ônibus para diversos destinos da cidade.
Após se formar Marinheiro em Fortaleza, Sousa foi transferido para o Rio de Janeiro onde embarcou em um Contratorpedeiros a fim de servir até ser chamado para curso de especialização.
Assim, domiciliado e servindo no Rio de Janeiro, só ia em Salvador quando o navio realizava alguma viagem para o Nordeste tendo como porto de escala a capital baiana.
Passado o tempo, enfim chegou a tão sonhada chamada para o curso de especialização. Cursou CO e após o curso foi servir como cozinheiro em um navio da Força de Transportes.
As viagens de apoio logístico eram mais frequentes e mais vezes aportava em Salvador, mas seu sonho ainda era servir na sua terra.
Passados alguns anos, já promovido a Terceiro Sargento, aproveitou uma oportunidade de ser transferido. Voluntariou-se e como não houve outros voluntários, finalmente pode realizar seu sonho.
Deveria se apresentar no comando do 2⁰ Distrito Naval e assim o fez na data determinada.
Chegou ao DN com sua farda branca impecável, olhou o Elevador Lacerda, o Mercado Modelo, o mar azul, os saveiro na rampa do mercado e o mastro da bandeira. Perfilou-se e tomado por emoção, prestou continência de maneira respeitosa e vibrante. A seguir apresentou-se na Sala de Estado.
Enquanto aguardava pensou como seria ótimo servir ali no centro da cidade, perto da família e de muitos amigos.
Após horas de espera finalmente o sargento da divisão de pessoal aproximou-se dele e entregou-lhe um envelope onde se lia: BASE NAVAL DE ARATU.
Orientou ao Sargento Sousa que se apresentasse no departamento de pessoal da base pois seria lá sua próxima OM.
Sousa questionou se não havia engano pois ele fora designado para o 2⁰ DN e não para a base naval.
O Sargento riu e disse: Campanha, para servir aqui primeiro tem que ralar na base.
Desolado, Sousa pegou suas coisas e seguiu para o Terminal da França a fim de embarcar para Paripe.
Após algum tempo finalmente chegou o ônibus da Viação Ypiranga com destino ao subúrbio de Paripe mas que estendia o percurso até a Base Naval.
O ônibus lotou no terminal. Logo começou o trajeto pela avenida Jequitaia e ao chegar na feira de São Joaquim, começou um empurra empurra de gente querendo entrar, afinal os horários da linha eram poucos.
Entrou um senhor com uma cesta de vime com cordas de caranguejos e acomodou o cesto no chão ao lado da cadeira que Sousa estava sentado. Como estava carregando seus pertences não pode oferecer o lugar aquele senhor.
O ônibus seguiu a viagem e parou na Calçada ao lado da estação da Leste.
Após embarcar mais passageiros finalmente pos-se em movimento.
Estava tão cheio que a porta traseira não podia fechar. A essa altura, de tanto ser pisoteado a cesta de caranguejos se desfez e foi caranguejos pra todo lado espalhados pelo ônibus.
Sousa sentiu algo sobre seus pés: eram caranguejos amarrados em uma corda que se arrastavam pelos pés dos passageiros.
Finalmente o ônibus alcançou a suburbana passando por Coutos, Plataforma, Periperi e chegando a Paripe onde desceu a maioria dos passageiros. Dali para a frente só poucos passageiros. Sousa respirou aliviado.
O pobre senhor ainda se esforçava para catar novamente os caranguejos porém alguns conseguiram fugir enquanto outros foram pisoteados.
O ônibus chegou ao ponto final. Adentrou a base para desembarcar os poucos passageiros restantes e retornar ao ponto final.
Com o uniforme totalmente desalinhado devido a refrega no ônibus lotado, Sousa apresentou-se na Sala de Estado.
Ao observar seu uniforme, o Oficial de Serviço ironizou perguntando:
- Sargento, você está vindo de onde? Parece que veio de uma guerra.
Sousa olhou seu uniforme e constatou que realmente estava horrível. Os sapatos sujos de lama dos caranguejos, a calça suja de lama, e nem o dolman escapara.
O Oficial de Serviço então completou:
- Bem vindo a Base Naval de Aratu. Bem vindo a Avenida Suburbana.