" Ah, todo cais é uma saudade de pedra "
- Fernando Pesssoa -
" Aonde está você agora, além de aqui dentro de mim?"
- Renato Russo -
A SAUDADE É UMA PRESENÇA SUBLIME
O grande escritor José Saramago afirmou que "fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória". As reminiscências são a moradia do amor e da saudade, como uma ocupação que traz alegrias e tristezas, como um domicílio que acolhe, acalenta e faz viver. Ele tem razão. Na verdade, o desejo é uma fome do corpo, já a saudade, é a fome e a sede d'alma.
É um sentimento que alimenta e não deixa arrefecer. Na presença encendeia, na ausência, acalma e abrasa. Adélia Prado ensina que "o que a memória ama fica eterno". É um sentimento que perpassa o tempo e modifica a face, seja com sorrisos, seja vertendo lágrimas.
Riobaldo (Grande Sertão: Veredas) com seu jeito peculiar, disse que "toda saudade é uma espécie de velhice", mas acredito que no sentido de amadurecimento, já que ela faz rejuvenescer através de lembranças, tão fortes que, às vezes, parecem tangíveis.
A saudade mata, mas também faz viver. Muitos acontecimentos em nossa existência ficam gravados como uma tatuagem na alma. Não é possível esquecê-los, e muitas vezes não desejamos esquecer. A saudade se torna um alimento, um bálsamo, uma esperança de reencontro...
Acredito que a saudade mais intensa e invencível é aquela provocada pela morte de um amor, em suas diversas nuances. Aquilo que não se pode mais tocar, é indubitavelmente o que se faz mais presente. Saramago no livro "As intermitências da morte" nos ensina que o desenlace, ainda que dolorido, é essencial. A eternidade em matéria suprimiria o encanto da vida. Parece um paradoxo, mas é a inteligência suprema da natureza. A morte é a única verdade da vida, invencível e inexorável.
De todas as dores da morte, nenhuma pode ser maior que a morte de um filho. Se eu pudesse ser Deus, não permitiria. Chico Buarque canta de forma magistral essa dor:
"Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu."
Érico Veríssimo, em " O Tempo e o Vento ", nos apresenta a dor de Rodrigo Terra Cambará com a morte de sua filha Alicinha. " Judas, o obscuro", de Thomas Hardy, também descreve essa dor maior. Todavia, a vida segue seu curso e tempo, independentemente de nossas lágrimas e sofrimentos. É preciso poetizar a dor. Rubem Alves disse que "Ostra feliz não faz pérola", e Vinícius de Moraes cantou que "pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza". É por isso que, no mundo da cultura, as tragédias são mais belas e eternas.
Mas há o mundo real... aquele em que a dor não é inevitável e nem o sofrimento é opcional, que me perdoe o mestre e poeta Carlos Drummond de Andrade.
É preciso descerrar-se na dor para entender seu imensurável sentido. A lágrima tem o sal que purifica, como uma homília a fazer uma assepsia n'alma. Deseje sempre renascer de todas as tristes cinzas, com o assomo de todo o amor que a saudade traz no peito. E não é pouco. É eterno.
Quem sabe o dia do reencontro seja realmente verdadeiro e naquele abraço se possa enxugar todas as lágrimas.
A lágrima é o riso de uma saudade.
Beleza estética que o coração encontra na dor.
Fascínio da memória que cega de amor.
Enxergando lembranças efêmeras em instantes de eternidade.
A lágrima é diáfana e uma luz que acalma.
Como limpidez que é o assomo de quem se encanta.
Mesmo com a ausência de quem se ama.
Como pranto amiúde lavando a alma...
- Taricisio Bruno -