Como reconhecer um vigarista

O termo vigarista deriva da palavra vigário, líder religioso de grande credibilidade, guardião da verdade e da religião oficial da Coroa portuguesa. Ouvir as palavras de um sacerdote de tão grande sabedoria era como receber uma mensagem dos céus. Por isso, ninguém ousava contestar ou desacreditar de alguém que era o próprio elo com o divino. Sabendo disso, criaturas não tão religiosas que compunham o cenário de nosso país chamado Brasil, mais precisamente às que habitavam o Rio de Janeiro, lugar que nunca foi para amadores, procuravam ludibriar suas vítimas transvestindo-se com roupas clericais para oferecer aos desavisados e ingênuos passantes uma “benção de oportunidade” que na maioria das vezes se apresentava como um excelente terreno para a prática da agricultura com valor bem abaixo do praticado, isso logo saltava aos olhos de quem ouvia àquelas gentis palavras resultando em fechamento de negócio ali mesmo na rua. Com o passar dos anos muitas pessoas já haviam caído no mesmo golpe e, quando iam procurar as autoridades, ouviam a mesma frase: “mais um que caiu no conto do vigário!” Logo, tornou-se sinônimo de vigarice toda forma de ludibriar, enganar, passar a perna, passar para trás, calotear alguém a fim de obter proveito próprio e por aí vai. Abaixo, explicarei de modo descontraído como você deve se precaver quando encontrar com tais indivíduos que geralmente se apresentam de forma educada e quase sempre envolvente, acima de qualquer suspeita. Essa horda é composta por indivíduos que podem subtrair tanto o seu dinheiro como a sua vida, considero tão urgente a identificação dessa classe de vigaristas que os classifiquei em subdivisões.

O conhecido desconhecido – esse sem dúvidas já enganou muita gente, inclusive este que vos relata. É um sujeito muito comum nos grandes centros, ele se apresenta sorridente e é capaz de extrair “leite de pedra”. É comumente visto vendendo alguma coisa, mas o produto é o que menos importa, vamos focar na abordagem. Ao ver a vítima passar ele esboça um sorriso acompanhado de uma frase cortês que pode ser: “quanto tempo hein!” “Trouxe a família para passear hoje?” “Você tá sumido!” “Foi bom te encontrar, vou te dar um presente!” Tais frases são sempre acompanhadas de um aperto de mão e podem variar de acordo com a região. Nesse momento a mente de quem está sendo abordado entra em uma espécie transe, o cérebro começa uma verdadeira varredura pelos arquivos mentais a procura de uma lembrança de onde o conhecemos. Será da igreja? É da escola? É do trabalho? Ou será do quartel? Da antiga empresa? Enquanto o cérebro trabalha a toda velocidade, quero destacar que isso acontece em frações de segundos, o vigarista vai ganhando terreno e aproveita esse momento de torpor para executar o seu ofício que vai desde espirrar um perfume, pregar um calço para não gastar os sapatos, engraxar os tênis e etc. As artimanhas são diversas, porém cabe esclarecer que às amostras grátis, nunca são gratuitas. É cobrada uma taxa pelo perfume borrifado no braço, pela limpeza no tênis, pela pecinha colocada no sapato ou por outra inutilidade oferecida. Quando o intento é realizado a vítima chega a conclusão que não o conhece e tenta relutar, mas nessa hora a gentileza do abordante transforma-se em coação e até ameaça, a vítima por sua vez temendo por sua integridade física prefere pagar e, se o vigarista perceber nervosismo ou fragilidade no estado emocional da pessoa, a extorsão pode ser ainda maior causando prejuízo financeiro. Defesa – não pare para dar atenção a quem não chamou-lhe pelo nome, neste caso, nos grandes centros; evite dar atenção a vendedores ambulantes que oferecem produtos que não são do seu interesse. Lembre-se, tais vigaristas trabalham com as ferramentas que você fornece para eles: atenção e disponibilidade. Ao ser chamado (a) vire o rosto e siga em frente apressando o passo, se for realmente um um conhecido, ele (a) falará com você em outra oportunidade. Não pague para ver e nunca esteja disponível para tais indivíduos! Geralmente a abordagem cessa e eles tentarão com outra pessoa, afinal de contas, gente é o que não falta na cidade.

O humorista – Esse tipo de vigarista parece que foi formado na mesma escola de vigarices do “conhecido desconhecido”, porém a sua estratégia se diferencia pela ausência de ameaças. Ele é amistoso, sua presença é logo notada por todos no ambiente, fala alto, conta histórias engraçadas e conquista de imediato a atenção e a admiração da maioria dos presentes. Mas, cuidado com esse tipo! Ele quebra o gelo inicial com suas técnicas de Stand Up comedy e observa quem está mais aberto à sua abordagem, se isso ocorrer com você, ele passará a viagem inteira criando uma conexão para no final de tudo pedir-lhe dinheiro ou algo de seu interesse. Mas antes de tudo ele contará algumas vantagens, ele irá sondar algo na sua fala que possa usar como ancoragem para ludibriá-lo com alguma história fantasiosa. Certa vez um amigo que trabalha como segurança viajou com um indivíduo desses, o vigarista em questão, ao descobrir a profissão do meu amigo, contou-lhe que era segurança pessoal de um certo juiz e estava a procura de alguém que pudesse substituí-lo durante o seu período de férias, o meu amigo que também estava de férias (não preciso nem mencionar que ele havia citado isso para o vigarista, não é?) ficou empolgado para ganhar um dinheiro extra trabalhando apenas meio período. Quando a viagem acabou o “humorista vigarista” deu-lhe o bote, disse que estava com problemas familiares e que seu filho estava doente e que estava precisando de dinheiro para as despesas médicas. O meu amigo não pensou duas vezes, sacou algumas notas e deu-lhe, afinal, o rapaz era boa gente e de quebra o indicaria para um emprego. A ficha só foi cair no dia em que ele foi ao fórum procurar o tal juiz, chegando lá, ficou sabendo que quem fazia a segurança de Vossa Excelência era o policial militar de plantão. Essa classe não se resume somente a viajantes, eles atuam como flanelinhas, carregadores e toda sorte de prestadores de serviços não solicitados. Eles já chegam contando uma piada, falando algo engraçado, abordando um assunto da atualidade etc. Usam sempre a bajulação e demonstram estar contribuindo com alguma coisa, o abordado sente-se constrangido, afinal, como não contribuir com alguém que está sendo gentil? Agora que você tomou conhecimento de como atua o “humorista”, defenda-se contra ele. Defesa – Tais vigaristas buscam atenção, procuram deitar suas sementes no terreno fértil que você proporciona a eles. Quando ouvir um indivíduo com essas características no transporte não sorria pra ele. Não faça contato visual e não compartilhe fatos da sua vida. Na chegada de aeroportos, supermercados, estacionamentos e similares não pare para dar atenção a tais indivíduos, a história é sempre a mesma, uma piadinha, um fato engraçado, um serviço não solicitado aqui, outro ali e lá se foi o seu suado dinheiro para as mãos de quem trabalha explorando a boa vontade alheia. Peço que não confunda isso com falta de caridade, se você é uma pessoa caridosa, continue sendo com quem realmente merece.

O conhecido desconhecido motorizado – essa categoria de vigarista é a mais perigosa. Quero esclarecer que ele só foi mencionado aqui porque usa de artimanhas de vigarice somadas a truques psicológicos para atrair e enganar as vítimas. Esse indivíduo ultrapassa a vigarice e pode ser enquadrado na classe dos tarados, psicopatas, ladrões, sequestradores, maníacos ou apenas alguém que foi com a sua cara e quis oferecer uma carona. Quase sempre há algum interesse envolvido, o melhor é não arriscar. Quero deixar claro que há muitas pessoas boas que oferecem carona, mas não creio que pessoas boas usem de truques mentais para tentar convencer alguém a entrar em seu carro.

Esse vigarista conta com a oportunidade, ele atua quase sempre em pontos/paradas de ônibus, terminais rodoviários abertos, em dias de chuva e em horários avançados. Utiliza da pouca luminosidade e falta de atenção dos passageiros para usar de seus engodos. Certa vez, um barbeiro muito conhecido de uma cidade margeada por uma rodovia estava aguardando o seu ônibus após uma longa jornada de trabalho durante uma noite escura e chuvosa. Um caminhão parou lentamente e o motorista com um jeito íntimo e amistoso de falar perguntou o que ele estava fazendo ali tão tarde já abrindo a porta para ele entrar, ele por sua vez pensou que estava falando com alguém conhecido, algum cliente da barbearia e, subiu sem demora, tudo o que a gente quer durante uma noite chuvosa é chegar logo em casa. Porém, algo na conduta do caminhoneiro chamou-lhe a atenção, logo que entrou o motorista trancou a porta do carona com corrente e cadeado, a viagem seguiu e ele percebeu que caíra em uma armadilha, pois o motorista não era alguém conhecido. A situação ficou ainda pior quando o caminhoneiro ia passar a marcha, a mão escorregava propositalmente com destino às coxas e partes íntimas do jovem, quando chegou nesse extremo o barbeiro começou a gritar e pedir que ele abrisse a porta, ao perceber o nervosismo do rapaz o motorista pediu calma e destravou o cadeado, o jovem não esperou o carro parar pulou com o veículo ainda em movimento, por sorte não se feriu, o motorista ainda gritou para ele não pular, mas ele não quis saber, tratou de empreender fuga. Esses casos são tão comuns que eu poderia dedicar várias páginas relatando experiências vividas por pessoas do meu círculo de amizades. Porém, acho que o objetivo já foi alcançado com o exemplo acima, agora você conhece esse tipo de vigarista e ficará alerta quando algum carro parar. Defesa – evite paradas/pontos de ônibus distantes e mal iluminados; evite ficar sozinho (a) nesses locais; fique atento (a) a veículos que reduzem a velocidade próximos a você; quando alguém parar e chamar por você certifique-se de ouvir o seu nome e certifique-se mais ainda se a pessoa é realmente conhecida; ao perceber que o veículo parou por sua causa afaste-se e se for o caso fuja para algum lugar movimentado. Nunca entre em um carro de alguém que você não conhece e por mais estranho que isso possa parecer, evite receber caronas de pessoas do bairro com as quais você não tenha muito contato e não sabe nada a respeito da vida delas.

O vigarista bem trajado – O terreno de atuação dessa categoria também é os grandes centros e lugares movimentados. Esse vigarista geralmente se apresenta trajando terno e gravata, uniforme de empresa com crachá a mostra ou roupas sociais. Em certas ocasiões atua acompanhado por uma mulher ou com um comparsa, pode atuar com uma equipe também. Os golpes são diversos, vamos aqui apresentá-los. O esbarrão - alguém esbarra na vítima enquanto outro subtrai sua carteira, o que pegou o pertence rapidamente passa para outro comparsa que continua seu caminho, quando a vítima olha para trás sem nada entender, outro vigarista aponta uma falsa direção para onde o suposto ladrão correu. Defesa – evitar portar carteiras, smartphones e outros objetos de valor nos bolsos traseiros e manter bolsas e mochilas sempre à frente do corpo. A abordagem - muita gente pode não concordar, mas a roupa fala muito sobre uma pessoa, se assim não o fosse os vigaristas não usariam dessa estratégia para ludibriar sua vítimas. Uma abordagem feita por um homem de terno e gravata que usa de educação e bons modos é menos intimidadora do que uma abordagem de quem traja jeans rasgado e se apresenta de forma desleixada. Sabendo disso certa classe de vigaristas utiliza de tais vestimentas para aproximar-se de suas vítimas de forma discreta enquanto as ameaça com algum objeto cortante e subtrai seus pertences. Vou citar um exemplo colhido de uma pessoa de grande estima e confiança, ele esta próximo a um terminal rodoviário de uma grande cidade quando foi interpelado por um cidadão trajando um belo terno, ele automaticamente parou e deu atenção ao indivíduo, todavia um detalhe saltou-lhe aos olhos, apesar da extravagante indumentária o homem não usava sapatos, foi o suficiente para ele perceber a trama e evadir-se do local com certa rapidez, o indivíduo não estava sozinho e tentou ir atrás, mas logo um policial apareceu e os vigaristas saíram correndo. Notaram que um detalhe salvou o jovem acima de sofrer um assalto? Sim, os vigaristas bem trajados que atuam nas ruas emitem sinais. Por não usarem tais vestimentas com frequência e sim para compor uma espécie de personagem, eles acabam por pecar em algum detalhe que pode ser gritante, como a falta dos sapatos, nó de gravata mal feito, vocabulário incompatível com a indumentária, sapatos que não combinam ou tênis em seu lugar. Tais elementos costumam falar uma linguagem vulgar carregada de palavras de baixo calão. Aprenda uma coisa, a roupa pode mudar a aparência de alguém, mas nunca a essência. Defesa – aprenda a ler o ambiente a sua volta, exercite a visão de longo alcance e perceba as pessoas que veem em sua direção, evite andar com fones de ouvido em locais de grande circulação, evite parar para ouvir pessoas desconhecidas e demonstre pressa e correria, na maioria das vezes eles não gostam de abordar pessoas assim, lembre-se que eles gostam de atenção. Se perceber que está sendo seguido procure auxilio policial imediatamente.

A falsa acusação – neste acaso o vigarista nunca atua sozinho, tem sempre a companhia de alguns comparsas para o ajudarem em seu intento criminoso. Narrarei um fato ocorrido comigo para facilitar o entendimento. Eu era jovem aprendiz em uma empresa na cidade do Rio de Janeiro, como de costume fui até o banco buscar talões de cheque e pagar contas, ao retornar passei do lado de um casal e percebi que a mulher falou alguma coisa em voz alta utilizando linguagem vulgar (perceberam o padrão?), continuei andando quando notei uma mão sobre o meu ombro direito, tratava-se de um indivíduo bem trajado usando crachá de empresa, isto fez com que eu não reagisse de imediato (observaram a estratégia da roupa?), acredito que se fosse alguém com aparência desleixada e aparentando ser realmente um vigarista, eu o teria atingido com algum golpe de defesa pessoal, porém, a minha reação foi de aceitação por achar que aquele indivíduo não representava perigo. Todavia a minha opinião mudou quando ele falou para eu esperar porque segundo ele, eu havia passado a mão na mulher de seu amigo, naquele momento eu fiquei desesperado tentando explicar que de maneira nenhuma isso havia ocorrido, àquela altura o casal já havia nos alcançado e uma discussão se iniciara, eu estava há poucos metros da empresa e pensei até em correr, mas a minha vontade de resolver esclarecer a situação e limpar a minha reputação foi maior, naquele instante eis que surge um anjo em forma de senhora que agarrou o meu braço e tirou-me daquela infeliz situação. Não preciso nem dizer que os vigaristas desapareceram como que por encanto. Ainda a caminho da empresa eu tentava justificar para a senhora que não havia passado a mão em ninguém, a senhora apenas falou: eu sei meu filho que você não o fez. Tinha eu dezesseis anos de idade e aprendi da pior forma possível que os vigaristas atuam dessa maneira em locais movimentados. Percebi também que não fui escolhido ao acaso, mais tarde ao conversar com um delegado de polícia que era cliente da empresa, soube que o vigarista bem vestido permanece em filas de banco para observar o movimento dos office-boys que buscam malotes, talões ou sacam dinheiro para as empresas e os segue e aplica o golpe que consiste em pedir uma indenização como reparação a "ofensa causada à sua mulher". O delegado esclareceu que esse tipo de vigarista migra de lugar assim que consegue realizar uma extorsão, por isso é tão difícil capturá-los. Defesa – ficar atento em filas de bancos e evitar transitar a pé com quantias consideráveis.

Fabrício Fagundes
Enviado por Fabrício Fagundes em 02/02/2023
Reeditado em 02/02/2023
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