EU E MEU RAIBAN I...
Tarde de sol em Campo Grande, sai de baixo! É de cozinhar os miolos. Dirigir então, nem pensar. É como entrar em uma panela de pressão. Querendo exibir meu “caçador”, preto, legítimo, comprado no Paraguai, a garantia ‘soy yo’, resolvi ir de ônibus até meu trabalho. Adivinha? Lotado. Lata de sardinha. O empurra-empurra se repete desde a entrada até que eu me ancore perto de uma das saídas, entupida de gente mal humorada. Nessas alturas já levei beliscão, cascudo, cotovelada, pisão no pé, dedo no olho. Sorriso? Nenhum. Neste tumulto vou me agüentando, uma das mãos protegendo a carteira, a outra salvando meu glorioso raiban, escorando-me num suporte de banco. Respiro fundo. Fico calmo. À minha frente, um fio de cabelo separando nossos corpos, uma daquelas morenas que só vê em comercial de cerveja. Belíssima. Vestido leve, solto, um palmo acima do joelho. Uma tentação. Através das escuras lentes, vejo ao meu lado um rapaz sério, mal encarado, olhar desafiador, estranhamente usando um casaco preto apesar do calor insuportável. Aos poucos, fazendo manobras com o corpo, percebo que tenta me afastar de trás da moça. Quer tomar meu lugar. Sua mão direita, aproveitando o fato de ninguém prestar muita atenção às bolinações urbanas, audaciosamente, ajudada pelo sacolejar do coletivo, começa a acariciar a grossa coxa da moça. Percebo o mal estar da coitada. Olhar fixo na lataria do ônibus. Lábios hirtos de indignação. Vira uma estátua de gelo. Espremida contra uma grade, não tem nenhuma opção para se livrar do tarado. Não quer provocar escândalo. A cada solavanco a mão do infeliz fica mais atrevida. Resolvo tomar uma atitude. Óculos pretos, cabelo curto, roupa escura, pareço um delegado de polícia. Por um instante me recordo de como as pessoas vão abrindo caminho enquanto eu avanço caminhando pelas ruas. Encorajado por essa falsa premissa, olho bem dentro dos olhos do idiota, engrosso a voz e falo em bom som ao pé de seu ouvido: “Como é meu irmão? Não tem medo de ir parar na cadeia não? Tá pensando o quê?”. O malandro não se intimida, sorrisinho malicioso no canto dos lábios, quase debochado, afasta a mão da bunda da menina. Discretamente abre seu casaco. Deixa-me avistar uma arma. Um 38 cano curto. Sem nenhum sinal de irritação retruca: “Saí ontem da cadeia. Já estou até com saudades!”. Um frio percorre minha espinha. Por Deus o ônibus pára. A moça do vestido curto desce apressada. Eu me atiro degraus abaixo. Nego-me a olhar para trás. Enquanto o coletivo se afasta, respiro fundo, confiro carteira, óculos e suspiro: “Droga. Não era o meu ponto ainda!”...
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