Dois velhos amigos reencontram-se para jogar conversa fora:

 

- Se há algo que me incomoda é ver justiceiros de Deus querendo ditar a vida dos outros.

- A mim também. Já falamos disso. Eles acham que têm procuração de Deus para interferir.

- Será que eles não percebem que se Deus quisesse diferente, faria tudo diferente?

- Não. Eles leem o texto e acham-se obrigados a fazer justiça. Para eles, é justiça divina.

- E então perseguem aqueles que praticam religião diferente ou que têm outra opção de gênero.

- Parece que eles só leram os versículos que falam do ódio; ainda não encontraram os do amor.

- Será que encontrarão? As pessoas só entendem o que querem entender. Avidya, ignorância.

- Ao menos estamos em um estado laico e temos certa proteção jurídica contra esses fanáticos.

- Eu não entendo direito o que é ser trans, mas jamais impediria uma pessoa de ser quem é.

- No nosso tempo não havia a liberdade social e sexual que há hoje. Cada um é cada um.

- É isso que esses justiceiros de Deus não aceitam: querem o outro igual a si mesmos.

- Aliás, não entendo por que se sentem tão incomodados com pessoas LGBT+.

- Você entende. Você estudou Psicanálise e conhece bem os mecanismos da psiquê humana.

- É o macaco que gosta de coçar o rabo do outro e não o próprio.

- Eu não sou fã do judiciário brasileiro, você sabe, mas temos alguns heróis por lá. Ainda bem!

- Eu virei fã da Cármen Lúcia, do STF. Graças a ela, há casamento homoafetivo no Brasil.

- Sim! E direito integral à adoção.  Ela suspendeu a reorientação sexual pelos psicólogos.

- Como entender um psicólogo que pretende a tal “cura gay”, mudando a orientação sexual?

- Será que esses psicólogos precisam de psiquiatras? Ou distanciar-se de certos pastores?

- O que a Cármen Lúcia fez, nenhum deputado do PT, nem Lula, nem Dilma fizeram.

- A ministra Cármen Lúcia é heroína nacional. O ministro Luiz Felipe Salomão também!

- Bem lembrado. Ele foi o relator que garantiu alteração de registro civil de transgêneros.

- Sem necessidade de entrevista ou de cirurgia de redesignação: é só ir ao cartório.

- Agora, a alteração do registro civil de qualquer pessoa é feita diretamente no cartório.

- Eu precisei de um advogado para incluir o nome da minha mãe ao meu. Um processo judicial.

- É por isso que eu sou cada vez mais contrário a legisladores religiosos. São uns atrasos.

- Sim, porque são conservadores reacionários que querem impor seu modelo a todos.

- Você autorizaria um casamento trisal, não?

- Claro que sim, como sei que você também autorizaria, se for de livre e espontânea vontade.

- Acho que nenhuma instituição, civil ou religiosa, tem que dar palpite nisso. É decisão dos três.

- Perfeito! Alguém está sendo forçado a algo? Não! Então, por que outros devem se meter?

- Eu estou cada vez mais convencido de que o problema não é a discriminação dos LGBT+.

- O que é discriminado, rejeitado, não aceito, são os trejeitos, os maneirismos dos LGBT+.

- Nós conhecemos gays e lésbicas que não levantam a menor suspeita pública.

- Sim, e não são vítimas de discriminações porque parecem ser héteros nos seus jeitos de ser.

- Agora, homens afeminados e mulheres masculinizadas sofrem preconceito e discriminação.

- E isso já começa desde pequenos, não? Preconceito e discriminação são da natureza humana.

- É uso e costume. Na nossa época não se via crianças com alguma deficiência.

- O padrão da época era mantê-las confinadas em casa. Não saiam para lugar algum.

- Hoje isso está bem diferente. Em alguns anos, os LGBT+ com trejeitos serão incorporados.

- Concordo, muita luta, conscientização, campanha atrás de campanha para esse dia chegar.

- O que despertará a ira dos justiceiros de Deus, não?

- Mas despertará a ação heroica de mais “carmens” e de mais “salomões”. Aleluia!

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 31/01/2023
Código do texto: T7707860
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