SEGUNDO A CAIXA, LEIA-SE O RÓTULO

Ali passava um transeunte. Naquele dia precisava resolver algumas coisas.

Para sua sorte, estava rodeado de instituições das quais necessitava.

Virou para um lado, atravessou o portão de uma escola.

- Diga, pai. O que o senhor deseja?

- Pai? Não. Não tenho filhos. Gostaria de me matricular.

- Compreendo. Quer ser aluno?

- Quero estudar.

Foi quando sentiu um mal súbito. Do outro lado da rua estava um Pronto Socorro. E de repente, nem transeunte, nem pai, nem aluno.

Ele era paciente.

Felizmente, pouco depois, houvera melhorado. Sorte, pois o paciente estava já sem paciência para ficar por ali...

Lembrou que ainda precisava resolver assuntos.

Nem pai, nem aluno, nem paciente. Voltara a ser transeunte. Só até atravessar a porta de uma agência bancária.

Pronto! Transformara-se em cliente!

Mas... Descobriria logo em seguida que sua conta estava "no vermelho". Tempos difíceis, sem recursos... Não conseguiria pagar.

Acrescentaram-lhe um "sobrenome": inadimplente.

Melhor sair logo dali. Mas precisava suprir suas necessidades humanas básicas... Como fazer? Lembrou que outro dia lhe falaram sobre um tal cartão alimentação, que "estava distribuindo no CRAS". Já que estava perto, entrou lá.

E descobrira que se transformara em usuário. Ele, por agora ser fiel, não fazia uso de substâncias psicoativas. Mas ali soubera que quem faz uso do serviço público de assistência social é chamado "usuário".

“Tudo bem”. Pensou. “Também sou usuário quando estou, por exemplo, no transporte público. Ok. Sem problemas. Só precisava do atendimento..."

No fim das contas, no transporte público ou não, tudo é passageiro.

Saindo dali, o fiel, que não era pai, quis ser aluno, foi paciente, cliente inadimplente, usuário... Era agora, novamente, um transeunte. Até lembrar-se que era também desempregado e que não tinha mais casa. O aluguel não estava pago. Denominou-se ex-inquilino, de sobrenome "inadimplente". Já que estava na cidade permitiu-se sentir, por uns segundos, cidadão.

“Posso ser catador”. Refletiu. “Mas... Para quê catar mais dor?”

Decidiu ficar ali. Não queria ser mais nada. E foi perdendo o nome, a cor, a existência... Ali ficara. Ali se tornara parte da paisagem urbana. Um pedinte? Morador de rua? Não sabia mais quem era, se é que houvera sido em algum momento.

Dia desses o rotularam, uma última vez: um corpo estendido no chão.