Dois velhos amigos reencontram-se para jogar conversa fora:

 

- Eu sei que você, assim como eu, já leu a Bíblia inúmeras vezes, do Gênesis ao Apocalipse.

- Verdade. Li e marquei trechos. E li em diferentes versões da católica e da protestante.

- Tem muita gente falando da Bíblia sem nunca a ter lido; leram versículos selecionados.

- E o pior é que há pessoas que acreditam que a Bíblia produziu a igreja, não?

- Exato! Quando foi o contrário: a igreja produziu a Bíblia e a fé cega no texto.

- Você lembra-se da frase “Se existe um Deus, ele terá que implorar pelo meu perdão''?

- Sim. Foi encontrada na parede da cela de um prisioneiro judeu num campo de concentração.

- No Antigo Testamento, os judeus são o povo escolhido por Deus para a salvação.

- Pois é. Fica cada vez mais difícil acreditar nesse Deus que a Bíblia apresenta como justo.

- E que as igrejas usam, sabendo que nenhum dos escritos bíblicos originais existe mais.

- Sem mencionar que os manuscritos bíblicos possuem milhares de variações e interpolações.

- ... e que existem centenas de versões Bíblicas com diferenças notáveis entre si.

- O que me incomoda é ver como o uso da Bíblia produz maus frutos, como divisões e disputas.

- Penso em Lutero, um monge agostiniano atormentado pelo pecado e pela culpa.

- Sim! E para conseguir algum alívio, abdicou do magistério da igreja e ficou só com a escritura.

- Você também leu o Bhagavad Gita, não? O equivalente da bíblia para o hinduísmo.

- Sim! Esses livros que tratam de textos considerados sagrados requerem muitas leituras.

- Na Bíblia, assim como no Gita, há lições históricas e psicológicas muito valiosas, não?

- Valiosas e que têm sido bem usadas para instalar a culpa, o pecado e a hipocrisia nas pessoas.

- E pessoas reduzidas pela culpa e pelo pecado tornam-se hipócritas e dóceis à manipulação.

- A casta dos sudras na Índia é um forma de servilidade institucionalizada e aceita.

- As pessoas são mais sugestionáveis e retribuem fortalecendo a estrutura de poder das igrejas.

- As igrejas sabem que o Deus no qual seus membros dizem acreditar, não existe.

- Essa á a grande vantagem das igrejas: se esse Deus existisse, ele as varreria da face da terra.

- Você já pensou em quanto sofrimento humano foi patrocinado pelas igrejas com boa intenção?

- Embora eu não seja nada marxista, tenho que concordar que a religião é o ópio do povo.

- Eu não sou leninista, mas apoio a ideia de afastar a religião do estado; cada um é cada um.

- Isso é exatamente o que me incomoda no capitalismo: seu casamento com as religiões.

- Se uma instituição diz o que é certo e o que é errado, as pessoas não aprendem por si mesmas.

- Um dos problemas das igrejas é querer ditar como as pessoas devem viver suas vidas.

- E o paradoxo é que esses que ditam essas regras, não as vivem. Viva a hipocrisia!

- E cito o ditado: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

- Jesus diz isso ao se referir aos sacerdotes do templo de Jerusalém, lembra-se?

- Sim, os que se sentaram na cátedra de Moisés: ouça o que dizem, mas não faça o que fazem.

- A hipocrisia faz parte da natureza humana e tem sido muito bem explorada pelas igrejas.

- A ciência sabe, há séculos, que a natureza do ser humano não é ser monogâmico.

- E cria-se a convenção social do casamento, da família e da propriedade. E tudo funciona...

- Funciona no modelo teórico; a prática sempre foi diferente. A Bíblia já menciona a adúltera.

- Mas nunca aparece o homem adúltero. Como será que uma mulher adulterava?

- Em uma Bíblia escrita por homens livres não se pode esperar coisa diferente, não?

- Não de fato, mas as doutrinas poderiam deixar de ser tão engessadas e ultrapassadas.

- Nossa conclusão é: a Bíblia não é o problema central, certo?

- Certo, mesmo porque todo problema caminha sempre sobre duas pernas.

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 29/01/2023
Reeditado em 29/01/2023
Código do texto: T7706418
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