UM ENCONTRO LITERÁRIO

Escrevo para aqueles que como eu são amantes das letras, mas também escrevo especialmente àqueles que ainda não descobriram o prazer de se ter como confidente um livro. Esta fabulosa criação humana que resiste ao tempo e que, surpreendentemente, continua a arrancar suspiros e lágrimas.

Encontrar-me com a literatura não foi um caminho fácil. Filho de pais iletrados e morando numa cidade pacata, Gov. Dix-Sept Rosado, não tive acesso a livrarias, bibliotecas e periódicos. Foram, portanto, 18 anos perambulando por este mundo como um cego, tateando as coisas a minha volta. Até que, um dia resolvi entrar na biblioteca da escola onde duas estantes acumulavam os livros que, coitados,hoje ainda estão sufocados e amontoados. Aquele espaço, provisoriamente funcionava como sala dos professores, secretaria, sala de vídeo e almoxarifado. Mas, daquele cenário insólito não saí sozinho, pois, carregava em minhas mãos “O Encontro Marcado” de Fernando Sabino. Naquele momento, começava minha odisséia literária.

A vida de Eduardo com suas angústias existenciais me fascinava. Antes desta obra havia lido (apenas) Olhais os lírios do Campo (Érico Veríssimo) – que também tem um Eduardo como protagonista – e Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco). Em seguida, vieram outras obras. Lembro-me que lia de tudo, até mesmo sem compreender os mais diversos gêneros, os quais mais tarde comecei a distinguir.

Li Clarice Lispector, Jorge Amado, Flaubert (Madame Bovary era um dos livros proibidos lidos por Eduardo quando, este, em O Encontro Marcado, entrava escondido na Biblioteca da escola) Tolstoy, Rachel de Queiroz, Castro Alves, alguns paradidáticos, inclusive um que me fez chorar: “Meninos sem pátria” de Luiz Puntel, era a primeira lágrima arrancada pelas letras.

Essas histórias iam penetrando em minha vida, abrindo meus olhos, retirando as escamas que tapavam minha visão e que me prendiam como um objeto ignaro. Era um desabrochar para um mundo novo. O mundo da ficção?! Depois que adentramos nesse mundo, concordo com Clauder, é caso de paixão! Paixão ardorosa, avassaladora. Um círculo vicioso do qual não conseguimos nem queremos sair. O êxtase que sentimos ao tombar a ultima página de um livro mistura-se à necessidade de iniciarmos o próximo.

A literatura é surpreendente, fascinante. Escrever, por sua vez, é um ato de recriação da vida. A mão que conduz uma caneta e que derrama a tinta sobre um papel ou as mãos que metodicamente escolhem qual tecla tocar, materializam as angústias ou as alegrias de seu escritor. Redigir um texto é sentir a literatura fluir de dentro de nosso ser, ou dos “eus” que habitam nossos sentidos. É fazer derramar a seiva viva da sapiência construída através de nossas experiências e de nossas próprias leituras.

Sou fascinado pelos perigos que a literatura carrega. Adoro ouvir expressões do tipo: “Esta obra nem li, nem quero ler” e afirmam veementemente porque ouviram falar que a obra é perversa, subversiva e que arrasta para os maus caminhos. Eh! caro amigo leitor, esse é um dos reflexos do poder da palavra.

Para sentirmos melhor este poder, nada nos custa realizarmos uma viagem, um tanto machadiana, ao principio dos séculos... No começo o VERBO já existia! E é a palavra que cria o mundo quando Deus abre sua boca e faz acontecer a maravilha da criação. Que haja luz! E a luz existiu.

Mais tarde, os livros queimados pela inquisição, os textos escritos com o sangue e as próprias fezes do Marques de Sade, o processo contra Flaubert, e aqui, podemos mencionar a figura de Emma Bovary que continua sendo julgada e condenada com os mais pejorativos dos adjetivos, o estranhamento causado pela pena da galhofa de Machado onde o calor das palavras tinha a eloqüência da sinceridade, as canções que driblavam a censura e embalavam as multidões em busca da democracia são fiéis demonstrações da literatura perfazendo os mais diversos âmbitos da humanidade.

Depois que se é tocado por essa força mística, não há como fugir! É algo transcendente, prazeroso e orgástico viajar pelo mundo da ficção, das biografias, das crônicas, dos poemas, do lirismo, do sarcasmo, ou até mesmo do humor escrachado. Amar a literatura é alimentar-me destas palavras como se eu fosse um bicho faminto diante de um tacho de comida, engolindo cada construção sintática, degustando o sabor de sua essência, a mistura de seus elementos.

Minha paixão pelos livros chega a alguns extremos. Adoro tocá-los, apalpar as letrinhas que formam os sintagmas, cheirar suas páginas durante a leitura. O cheiro que exala da tinta toma um novo corpo, faz transbordar meus sentidos.

Embalado pelas doces palavras de Sibelli, pelas sábias letras de Clauder e por um bom papo literário com Uedson, a inspiração apareceu-me e, diga-se de passagem, não é algo que se possa elogiar, escrevi então estas vãs palavras e solto-as como pétalas ao vento.

Finalizando, gostaria de fazer um convite para que você leitor, não fique apenas nessas linhas sujas, mas seja, também, um amante das letras e viaje, reflita, pense e “revolucione-se culturalmente: Leia mais para ser mais!”

[Texto publicado no Jornal Gazeta do Oeste em 19 de março de 2006]