Aprendendo com os pássaros *

Habituado que estou a praticar exercícios físicos matinais diários ao ar livre ─ há 35 anos ─, com a pandemia tive de me adaptar. Antes da Covid-19, praticava nas quadras poliesportivas do Campus Uvaranas da UEPG, interditadas com o compulsório distanciamento. Então passei a praticar na sala de casa, na Vila Placidina. Abro bem a ampla janela que dá para o jardim, onde temos uma caramboleira, uma pitangueira e uma aceroleira. Visto que nem sempre estão com frutos, pendurei num galho um tabuleiro onde todo dia coloco bananas, pedaços de mamão, melancia, abacate ou laranja. Os pássaros fazem uma algazarra, que eu observo enquanto pratico meus exercícios. São sanhaços, sairões, sábias-laranjeira, sabiás-do-campo, pardalocas, bem-te-vis e, mais raramente, guaxos, cambacicas e tiés-sangue; eles vêm ariscos bicar os frutos que lhes são oferecidos, na falta da frutescência das árvores.

Observar os pássaros tem sido um interminável e divertido aprendizado, que mostra quanto nós humanos nos comportamos tal qual os bichos na natureza. Primeiro, existe uma rígida hierarquia da prioridade do direito de bicar os frutos. Os sabiás-do-campo têm preferência absoluta. Quando pousam no tabuleiro, os outros pássaros voam, eles ficam sozinhos. Bicam sempre o mamão. Espantam inclusive os sabiás-laranjeira, os segundos na hierarquia. Às vezes até quatro sabiás-do-campo estão juntos no tabuleiro, mostram ser uma família unida. Em época de filhotes, já fui atacado no portão de casa pelos pais, zelosos e agressivos, extremosos com seus ninhos e crias. Com o tempo eles foram se acostumando comigo, deixaram de me atacar.

Já os sabiás-laranjeira não demonstram essa solidariedade dentro da espécie: consigo distinguir três diferentes, nunca estão juntos. Um maior, que chamei de Dita, que identifico graças a uma pena arrepiada na asa esquerda. É o mais agressivo. Suspeito que seja uma fêmea, pois na época dos filhotes vi-o ─ ou vi-a? ─ enchendo o bico de alimento várias vezes e voando sempre para uma mesma árvore próxima. Se são as fêmeas que alimentam as crias, então deve ser uma fêmea. Curioso, ela é maior e mais agressiva que os outros dois. Um destes, mais assíduo, chamei de Nico. Foi fácil distingui-lo quando perdeu todas as penas do rabo, por algum motivo que ignoro. É o menos arisco, aproxima-se enquanto ainda estou colocando as frutas no tabuleiro e tolera minha companhia enquanto dá suas bicadas, de preferência no mamão. O terceiro não tem nenhum sinal característico; é a sua marca. Sempre cede lugar a algum dos outros dois que se aproxime. Seria ainda um filhotão?

Na sequência hierárquica vem o bem-te-vi: ele foge dos sabiás, e espanta os demais. É barulhento, aproxima-se gritando, afugenta os sanhaços. Sempre está solitário no tabuleiro, sempre bica as bananas. Entre os sanhaços, a briga é constante, interessante, instrutiva. Misturam-se no tabuleiro, já vi até dez deles ao mesmo tempo. Alguns são muito agressivos, chegam chiando, bicos escancarados, intimidando e afugentando os demais. Outros são discretos, procuram aproximar-se dos frutos ─ a banana sempre é a preferida ─ por onde não esteja nenhum outro pássaro; são pacíficos. Curioso constatar que as brigas são desnecessárias; existem frutos e espaço suficiente para que todos pudessem comer sem ter que se confrontar. Parecem humanos!

Entre os sanhaços, os mais agressivos são as fêmeas do sairão, também chamado de sanhaço-papa-laranja. É uma espécie com marcante dimorfismo sexual: as fêmeas são maiores e pardo-esverdeadas, os machos são multicoloridos, azul-preto-amarelo-alaranjados. Aprontam muitos entreveros, mas na maioria das vezes os oponentes acabam alimentando-se ao mesmo tempo, em territórios demarcados após as rápidas escaramuças.

As pardalocas ─ nunca vi pardais machos no tabuleiro de frutas ─ são as mais pacíficas e resilientes. Nunca as vi envolvidas nos entreveros. Talvez por esse motivo sejam a espécie mais disseminada na cidade. Mas são raras no tabuleiro de frutas.

Já alguns sanhaços-papa-laranja machos têm uma singular estratégia: vão tranquilos bicar as esquecidas frutas derrubadas no chão pelo alvoroço no tabuleiro pendurado. Parecem muito objetivos e práticos: não desperdiçam energia desnecessariamente. Não lhes interessa a competição e a confusão. Vão direto ao propósito ─ a alimentação.

São um exemplo de pragmatismo.

*Texto escrito originalmente em 20/05/2021