OBSERVADOR DA VIDA ALHEIA.

O meu relógio marca Dezoito horas em ponto, ainda é dia, porém, há um duelo acontecendo no céu neste momento. De um lado nuvens pequenas e claras correndo nesse límpido azul, passeando de um ponto a outro, enquanto na metade oposta, se avolumam colunas enormes de nuvens com tons escuros e raios poderosos desenhados nesses blocos pesados, cada vez mais próximos, forçando as nuvens brincalhonas a cederem o seu espaço. O vento forte se apresenta sacudindo as árvores. A impressão é que a qualquer momento a chuva vai cair. Pássaros pousam nos fios de energia, tentando se equilibrar, da sacada de casa posso vê-los bem de perto, pombos, um casal de maritacas, andorinhas. Parecem assustados, inquietos, as maritacas em um barulho terrível.

A rua começa a ficar movimentada, carros apressados, motoristas descuidados falando ao celular enquanto dirigem. As mulheres parecem mais cuidadosas na direção, olhar atento, as duas mãos no volante. A lombada de frente de casa os obriga a reduzir a velocidade, é nesse momento em que alguns dão aquela olhada de lado, percebendo de relance minha presença. Depois do obstáculo, saem a toda velocidade. Às vezes, sobram buzinas e xingamentos entre os motoristas, nada além disso. Os motoqueiros são mais abusados, parece não haver limites para eles, não respeitam a si mesmos, empinam as suas motos ao ponto de uma quase queda, porém, nunca presenciei um acidente.

Os transeuntes, não todos, seguem a passos largos com o medo da tempestade, atravessam a rua sem a mínima atenção. Estamos em Janeiro, mês de férias, o que reduz a movimentação na rua Darcy Landulfo em muito. Considerando que de frente a minha casa tem duas escolas. No período letivo, fica uma loucura esse lugar. Principalmente no horário em que os alunos estão saindo. Carros, motos, pessoas, todos disputando ferozmente o mesmo espaço. Minha filha de doze anos estuda no período da manhã, antes de sair para o trabalho tenho que enfrentar uma parte dessa maluquice diária. No entanto, no final de tarde sou apenas um observador da vida alheia.

Daqui a pouco a tarde vai se despedir, ocultando-se por detrás do morro ao longe, enquanto a noite, sorrateiramente, com a ajuda da tempestade cada vez mais próxima, estica os seus longos braços escuros por sobre os telhados e ruas. Luzes se acendem aqui e acolá, faróis passando como raios. A temperatura cai lentamente, o silêncio ganha força. Algumas janelas se fecham, poucas continuam abertas, tais como eu, ouvintes e observadores compromissados com o que se passa do lado de fora. Uma sensação estranha toma o meu peito, daqui a pouco terei que sair da sacada, me juntar aos que se dobram para a noite buscando descanso em meio a tempestade que se levanta, agora, praticamente inevitável.

Os homens estão se escondendo em suas cavernas, alguns são prisioneiros em seus castelos gigantescos, cercados por altos muros, com uma guarda pessoal canina implacável, latindo furiosa, devoradora de carnes e ossos. Já outros, são produtos da noite, tá qual vampiros, buscando na escuridão as suas presas, nada parece intimidá-los, nem mesmo os raios e trovões. Eles são o próprio terror, causando angústia e pavor nas desavisadas almas caminhando solitárias pelas ruas. Saio da sacada, um último olhar no horizonte sombrio. A sensação que fica não é de paz, porém, o desejo de conquistá-la é tão maior do que o meu medo.

O relógio marca vinte horas exatamente, chove forte neste momento, raios riscando a abóbada celestial, fecho a porta da sacada. Do lado de fora, o vento força a janela, os sons agressivos da água surrando o telhado.

É noite de tempestade.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 27/01/2023
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