Dois hambúrgueres, alface, queijo...
Que ninguém se apresse em me chamar de tolo, néscio ou coisa que o valha. Mas a história que passo a contar, aconteceu comigo, antes mesmo de eu nascer para a vida.
Explico. Sou de uma geração que sempre disse: "A vida começa aos quarenta!" Esta situação se passa antes deste fato, logo, minha vida ainda não havia se iniciado.
Por mais difícil que possa parecer, sair para almoçar ou jantar fora, não era uma coisa tão comum nos tempos da minha adolescência. Minha própria experiência se resumia a duas ou três idas para algum fast food. Era muito mais comum para mim, convidar alguém para ir ao cinema por exemplo. Idas ao teatro sempre estiveram nesses planos, mas os custos, por vezes, eram proibitivos.
Então foi com muita surpresa que fui convidado para um jantar. E não era um jantar na casa de alguém. Era um jantar fora. E com alguém que me despertara interesses afetivos. Combinado as datas e horários, tudo parecia ser encaminhar para o sucesso. Parecia.
O que este pobre mortal não sabia é que o convite era para um restaurante japonês. E, para mim, naquele momento, todo o meu conhecimento sobre a terra do sol nascente se resumia a Ultraman e Ultraseven. E não havia o Google. Nem telefones celulares. E eu não conhecia ninguém que pudesse me ajudar, dar-me dicas. Mas como seria apenas um encontro, me armei da minha parca coragem, e confirmei minha ida.
O endereço ficava no bairro da Liberdade, tradicional bairro da comunidade japonesa na cidade de São Paulo. Descobri isso consultando um Guia de Ruas, ao qual tive acesso. Também não havia GPS. Chegada a data, me arrumei, da melhor maneira que podia, pra queria causar uma boa impressão, e fui. Foi então que a história complicou.
Ao chegar no local fui surpreendido ao perceber que era um jantar em família. A família dela estava toda lá. Não era um encontro. Era um jantar no qual eu seria apresentado a família dela! Imaginem o meu desespero ao perceber isso. Faço questão de reforçar que era um adolescente à época. Ainda tentando me recuperar do susto, entramos e tomamos nossos lugares à mesa. E fui colocado estrategicamente entre os pais dela. O desespero só aumentava. Chegou o menu. Em japonês. E me foi perguntado o que gostaria de comer. A voz não me saía. Não conseguia sequer pensar em pedir arroz. Num momento de puro reflexo, o treinamento, no sentido de não pedir comida na casa dos outros, realizado por minha mãe minha vida inteira, me despertou: aceito sugestões. Pedidos foram feitos. Eu suava cada vez mais. As pessoas tentavam conversar comigo. Eu me confundia com os sotaques. Sim, a família conversava entre si no idioma nato. Minha impressão é de falavam de mim o tempo todo. Chegaram os pratos. Shusi. E hashis. Sem garfos ou colheres. De repente todos me olhavam esperando eu assumir o controle da situação e comer. Inclusive meu interesse afetivo, neste momento visivelmente desconfortável com minha falta de atitude. Em um exercício de observação, consegui, de maneira patética até, levar um sushi à boca. E o engoli sem sequer mastigar. A mesa voltou a ação. Não me atrevi a comer mais nada naquela noite. Pois já havia até derramado molho shoyu na toalha, em minha torpe tentativa de molhar e temperar o bolinho.
Depois de algum tempo o jantar finalmente terminou. Mas não foi o fim de meu martírio. Veio a conta. E eu não tinha dinheiro suficiente para pagar, sequer a décima parte dela. Contribui com o que tinha. O que foi aceito, mas não sem olhares controversos. Devo comentar que pensei em reservar aquele pouco dinheiro para comer um lanche depois que saísse dali. Não aconteceu. Voltei para casa. Envergonhado e faminto. E minha mãe perguntou como havia me saído, pois não poderia envergonhar a ela.
Não namorei a menina. Mas aquela noite, desastrosa no meu entendimento, trouxe vários ensinamentos importantes, e uma amiga para vida inteira. O principal ensinamento: cuidado com o que você quer! Você pode receber exatamente o que deseja!