ÓPERA DOS PERIQUITOS
Estou em Goianésia. Sentado num banco de cimento na praça da Matriz no fim de alguma tarde. Abro uma revista na esperança de ler o mundo. Sou, de repente, arrebatado por um som que vem do céu, um tipo de sinfonia dissonante, uma algazarra de periquitos. Estão barulhando na árvore sobre a minha cabeça. Curioso, levanto e tento desvendar o que se passa.
Os passarinhos verdes não estão apenas sobre a minha cabeça. São centenas, talvez milhares. Eles estão em toda a parte. São os donos da praça. Cantam, dançam, se convencem ao mesmo tempo. Povoam todas as árvores. Descubro que sou um tipo de eleito por assistir a tamanho espetáculo. Após algum tempo, um grupo se desvencilha e faz uma espécie de balé no céu. Curiosamente eles não saem do espaço aéreo da praça. Talvez haja um acordo sobre a jurisdição para aquele concerto.
Descobri depois que o evento não estava em cartaz apenas naquele dia. É uma espécie de ópera que tem início exatamente às 18h. Inclusive domingos e dias santos. Não se tem registro do dia em que começou a ter esse evento no calendário da cidade. Gosto de imaginar que mesmo antes que Goianésia existisse nos registros oficiais, já havia um grupo de periquitos que usava as copas daquelas árvores para suas apresentações.
Nenhum historiador vai contar essa história. Nenhuma universidade enviará membros do seu departamento de arqueologia para liderar escavações na esperança de localizar o mais antigo ancestral desses periquitos. É razoável imaginar, no entanto, que desde que surgiram ali as primeiras árvores, antes que houvesse a praça, antes que houvesse nascido o engenheiro que a projetou e o prefeito que a tirou do papel, antes de tudo isso, exatamente às 18h, todos os dias, um som ecoava por ali. Passarinhos de ontem se confraternizavam sem testemunhas no fim de tarde em uma terra ainda sem nome.
Por mais que me tento a pensar que os motivos dos periquitos são artísticos, há mais situações a se considerar. Não se sabe em nome de que todos os dias eles são impelidos a deixarem seus afazeres em suas moradas, em cantos diversos da cidade, e se encontrarem no mesmo horário, no mesmo lugar. E após o júbilo do encontro, se despedirem e voarem, plenos, para suas tocas distantes, como que cumpridores de uma sagrada missão.
O tempo passou. A cidade nasceu. A população cresceu. O progresso chegou. Uma praça foi construída no chão duro em frente à igreja católica oficial da cidade. Muitas reformas no piso, nos jardins e nos bancos da praça foram feitas. Essa narrativa faz parte da história da praça vista pelos olhos dos homens. Talvez seja a história que será lida nos livros. Mas não é a melhor história. Não é sequer a história mais verdadeira.
A verdade da praça é outra: ela é o ponto de encontro de periquitos de todos os cantos da cidade. Periquitos de várias gerações, atravessando a ruína dos anos e ecoando suas vozes. É uma tradição que é passada de pai para filho, de mãe para filha. É um costume iniciado por periquitos de outras épocas, ancestrais dos cantores de agora. É, de longe, a maior das tradições de Goianésia. É uma tradição para além do interesse dos jornais. Uma tradição que não é contada na língua dos homens.