Polivalência

 

 

 

Era manhã já bem adiantada, quase hora de almoço, quando ela chegou ao balcão da recepção de uma repartição pública e perguntou:

— Por favor, a senhora sabe me informar como faço para reservar o auditório para um evento da minha escola?

— Infelizmente não. Sou apenas a recepcionista do turno matutino. A pessoa encarregada sobre esse assunto faltou hoje. Essa informação só será possível com a atendente da tarde. Volte depois do almoço.

Agradeceu, chateada pela perda de tempo, mas reconheceu que a criatura não fora preparada para tal trabalho. Foi-se o tempo da polivalência profissional.

Como se não bastassem a automatização de serviços e a robotização dos trabalhos industriais, agora teríamos que conviver com isso também, ou seja, setorização das atividades também nas repartições públicas?

Enquanto aguardava na recepção pela sua carona, ficou analisando a situação vivida.

Constatou que, atualmente, a linha de produção em relação à mão-de-obra – sem exceção — tem nos tornados seres unilaterais. Não vai longe, e nos “virávamos nos trinta” diante de um desafio. De tudo sabíamos um pouco, dentro da profissão escolhida. Nossas habilidades eram aproveitadas ao máximo! Hoje, somos especialistas naquilo que nos convém. Quer ver uma coisa? Com certeza, os mais vividos se lembrarão.

Antigamente, uma cozinheira de forno & fogão era capaz de dar conta de qualquer prato culinário, não importando a nacionalidade deste. Hoje, temos restaurantes e cozinheiros, cujas especialidades se distinguem e restringem ao serviço específico oferecido.

Nossas secretárias domésticas também se especializaram. Temos hoje, arrumadeiras, diaristas, lavadeiras, passadeiras, babás, cozinheiras etc. Cada qual, em sua área de atuação. Não adianta você pedir um favor fora da sua especialidade.

Em relação ao atendimento médico, esse é que sofreu mudanças. Antes, quando íamos ao médico, após uma consulta demorada e muitas perguntas respondidas, ele nos diagnosticava seguramente e, sem fazer grandes comentários sobre o mal que nos acometia, o que era mais interessante. Apenas receitava a medicação ou massagens, compressas, coisas do gênero. Voltávamos para casa confiante e certos da cura. Dificilmente, tínhamos de voltar à consulta.

Hoje, quando doentes, também procuramos um médico; geralmente, um clínico geral, que, após alguns exames locais, levanta sempre a dúvida sobre ser ou não uma virose, pedindo, é claro, um tempo de três dias, para aguardar novos sintomas; não sem antes solicitar uma bateria de exames, pois o diagnóstico final só virá depois disso!

Quando o quadro, por si só, se estabiliza, ótimo, você voltará antes de completar um mês, para comprovar os resultados positivos. Caso contrário, você receberá uma lista de especialistas para se consultar. Na grande maioria das vezes, não se consegue resolver o problema apenas com um médico. Daí começa a saga nas salas de espera das clínicas médicas.

Mas, se formos analisar as situações de um modo geral veremos que isso é uma constante em todas as profissões. Seja na oficina mecânica, na administração de empresas, de escolas, nas lojas e supermercados — onde os produtos são organizados por setores —; enfim, cada um vai se especializando no que melhor lhe aprouver.

Resta-nos a adaptação ao novo, mesmo que esse novo não corresponda à eficácia desejada. Nesse caso, novo não significa o melhor.

Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 27/01/2023
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