O primeiro dia de aula
Só na memória, ela não existe mais, a sala de aula sempre representou para mim um encantamento: a presença de pessoas tão diferentes, atentas umas, distraídas outras, algumas sorridentes, outras sérias, as que falam alto, as que nem falam; as relações que se desenvolvem timidamente a princípio, por olhares, por sorrisos, por gestos de cortesia.
Todos concentrados no que acontece a frente, nas palavras e gestos do professor, mas também prestando atenção nos outros. Muitos vão se transformar em amigos, outros nem tanto, e outros ainda serão indiferentes. Mas todos têm potencial. Nesse recinto a possibilidade de convivência que de outra forma não se teria. Há uma necessidade de se estar ali, mas há também a inafastável emoção do encontro.
Apesar do desenvolvimento nas comunicações, as possibilidades de encontro e de convivência diminuem para o humano moderno. Conversa-se com o colega do lado pelo celular ou computador. As pessoas trabalham juntas, mas passam semanas sem se ver ou se falar pessoalmente. Nada contra os avanços da comunicação. Também já não consigo viver sem eles. Como diz Gilberto Gil sobre as viagens à lua, “confesso que estou contente também”. A questão é quando pessoas de todas as idades dizem que se pudessem não pisariam mais na escola. Algumas até estudiosas e bem informadas reclamam da exigência de presença nas turmas porque prefeririam estudar sozinhas e comparecer apenas para as provas.
Outras até gostam da Universidade, quer dizer, gostam do pátio, da cantina, do bar em frente, mas não da sala de aula. Essas pessoas se esquecem do que esse espaço já lhes proporcionou. Acho difícil que não tenham amigos ou, pelo menos, boas lembranças da época em que eram obrigadas a comparecer às aulas. Aquele mal encarado que depois virou melhor amigo. O sorridente do primeiro dia que ficou esnobe no decorrer do ano. Ou o menino rico que passou a frequentar o barraco do colega na favela para brincar. Uma caixa de surpresas, a sala de aula.
Claro que as pessoas vão juntas ao bar ou às festas, mas aí encontram os seus iguais. Fazem uma seleção de companhia que, embora muito agradável, não é tão enriquecedora. Na sala de aula não podemos escolher os colegas, temos de conviver com todos. Um pouco como acontece com as disciplinas. Imagine se pudéssemos evitar esta ou aquela matéria de que não gostamos!
Quantos de nós não teriam descartado matemática, ou história, ou até o estudo do próprio idioma, com sérios prejuízos para a formação? A sala de aula tem essa riqueza, não nos permite escolher. Essa imposição muitas vezes nos reserva os encontros mais importantes de nossas vidas. Ali aprendemos muito mais coisas do que supomos e ganhamos muito mais do que conhecimento e diplomas.
Não acredito em bons velhos tempos. Cada época tem sua beleza e suas dificuldades, e a humanidade marcha sempre por bem ou por mal. Apesar das dificuldades da escola e da baixa qualidade do ensino público, existe atualmente uma oferta maior de vagas e possibilidades mais concretas de se estudar.
Mas temo hoje pelo futuro da classe porque, se os alunos ainda estão presentes, seus corações, parece, já pararam de frequentá-la.
Não o meu. Ainda hoje, quando entro numa sala para fazer um curso e vejo pessoas trocando tímidos olhares e sorrisos, não consigo deixar de sentir alguma emoção. É nostalgia de um tempo que não volta, mas que deixou marcas. Boas marcas.