APOSENTADO, COM A CHAMA AINDA ACESA
Quando decidi me aposentar, tracei uma estratégia para isso. Comecei a aceitar serviços de consultoria para outras empresas, em assuntos sobre os quais eu desenvolvera competência e aos quais me dedicaria após a aposentadoria. Pensei com meus botões: quando o trabalho começar a atrapalhar a consultoria, é hora de me distanciar dele. E assim aconteceu: o trabalho extra deixou de ser apenas um trabalho extra, dediquei-me apenas a ele.
Com isso minha aposentadoria não foi nenhum trauma. Foi apenas uma mudança saudável. Acontece que a consultoria terminou um dia, alguém começou a fazer meu serviço mais barato. Sem problemas, afirmei a mim mesmo. Eu já me dedicava a outro labor. Havia decidido me dedicar à escrita. Já tinha mais de um livro pronto, publiquei-os. Veio a pandemia e escrevi mais ainda. Só que o mercado de livros não é para amadores. Aprendi isso na carne. Todos gostavam do meu texto, mas não compravam meus livros. Sem problemas, voltei a afirmar. Tenho que aprender. Escrevi mais e mais, reescrevi mais ainda. Burilei, aperfeiçoei, aprendi com alguns mestres da escrita, penso estar pronto. Minha chama me diz: não desista.
Dois anos depois voltei a meu antigo local de trabalho: um centro de formação de técnicos e tecnólogos, engenheiros, editores, professores, etc. Passeei pelos corredores, parei na biblioteca, tomei um demorado café na cantina. Avistei inúmeros ex-colegas. Quase ninguém se lembrou de mim. Um dos que se lembrou, perguntou-me: está sumido, por onde anda. Ele não sabia que eu havia me aposentado. Lição do dia — todos somos substituíveis. Em nosso lugar há alguém que pode até ser melhor que nós. Precisamos estar preparados para isso.
Outra lição: trabalhamos para servir aos outros, não porque somos necessários. Somos úteis, não necessários. Tudo que fizemos, o nosso trabalho, fica apenas para nós mesmos. Fica para nossa história, não para as histórias alheias. Devemos fazê-lo bem feito para podermos contar boas histórias, nossas histórias. Se, por acaso, aparecemos em histórias alheias, ótimo. O que conta, no entanto, é nossa alegria com o nosso trabalho bem feito. Ponto.
Estar aposentado, não significa estar acabado, quase morto, sem eira, nem beira, nem mesmo a caminho do cemitério. Deste local, embora ele esteja lá no fim da luz, quero distância. Antes, eu visitava muitos cemitérios. Quando comecei a imaginar que um dia estaria ali, desapareci do lugar. Vou a velórios, não a enterros. Quando meu dia chegar, irei contrariado.
A chama ainda está acesa. Curto meus afetos, escrevo meus diários, dou palestras e conselhos aos amigos, artigos meus são publicados. Escrevia poesia para as amadas. Continuo fazendo isso, a amada está aqui ao lado, mas escrevo também para pessoas idosas como eu. Escrevo a elas com a intenção de dizer que somos pessoas idosas, não velhas. Acredite e viva. Com vontade e força.
Para manter a chama acesa e continuar a ser útil de alguma maneira, coloco foco em meus propósitos traçados e guardados em papel. Sim, gravei na nuvem, mas sou do tempo do papel. Preciso levantar e lê-los com as mãos, além dos olhos. E lá está escrito minhas palavras mágicas: contar, escrever, publicar e vender minhas histórias, disseminar meus conhecimentos e saberes, porque tudo isso poderá ser útil para alguém. Quem? Para alguém que poderá crescer com meus conhecimentos e saberes, mesmo sem me acrescentar nas referências. Enquanto isso, eu continuarei a contar minhas histórias.
Um viva aos aposentados, hoje, dia dos aposentados, vinte e quatro de janeiro.