Sou de todos os lugares e não sou de nenhum. Da minha cidade natal, sou as ruas de calçamento e avenidas arborizadas, onde todos sabiam da vida de todo mundo. Sou aquele menino que brincava em suas ladeiras contando estórias, de pique-esconde e cresci nas suas igrejas, escolas e quintais. Eu sou as casas de portas abertas onde os vizinhos não precisavam pedir permissão para entrar, as frutas que caiam das árvores e toda a saudade da minha sensibilidade infantil que sobrou na minha memória.

          Eu sou o menino que sonhava, brincava e o adulto que tenta resgatar essas lembranças. O olhar no espelho, as marcas que a vida naturalmente me deu e surpreso, daquele menino ainda resistir no tempo. Ele é um bálsamo no rancor, no ressentimento e na mágoa do adulto. O menino com toda a sua inocência e candura tem muito a ensinar ao adulto sobre perdoar e se pedoar.

          Um dia o menino foi arrancado das suas raízes e jogado no mundo. Tudo ficou para trás. Não teve tempo de se despedir e nem o direito de reclamar. Pisaram na sua inocência, em seus sonhos e destruiram sua segurança. Nada sobrou das suas raízes. O mundo o engoliu e não teve ninguém para defendê-lo. Desprotegido, apanhou, sofreu, chorou e proibido de mostrar suas emoções, endureceu e nunca mais se permitiu compartilhar seus sentimentos. Fechou seu coração, sua alma e aprendeu em casa a gostar por interesse.

          As raízes ficaram perdidas no tempo, adormecidas no passado. longinquas e voltaram para resgatá-lo e ajudá-lo em sua reconstrução. O menino está ensinando o adulto e o fez entender que tudo passa, até mesmo a felicidade. Cada pessoa paga pelos seus erros e ninguém deve julgar ninguém. As lembranças acalmam seu coração, acolhem sua alma e mostram que apesar de tudo, suas raízes existem e nada, nem mesmo o mundo, vão conseguir apagar a sua história.

          O menino e o adulto fizeram as pazes e viraram um só: o mesmo enredo e o mesmo personagem. Um enredo que bem ou mal, fez o adulto que sou hoje e me ajuda a seguir em frente.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 23/01/2023
Reeditado em 23/01/2023
Código do texto: T7702541
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