Ninguém
Ele vivia de bar em bar, claro nas portas, angariando moedas, com a justificativa que seria para a sua alimentação. Era um prisioneiro da bebida. Vivia caminhando pelas ruas. Dormia ao relento e dependia dos outros para obter suas mínimas refeições. Cotidianamente revirava lixos de residências e estabelecimentos comerciais. Às vezes, à noite, recebia uma quentinha com uma sopinha e um pãozinho, doados de boa vontade, por pessoas que ainda se importam com essa maléfica causa. Não gostava de ser chamado de mendigo. Ele preferia ocultar o seu nome. Dizia ele, que estava ali porque queria. A meu ver sua decisão poderia ter sido causada por violência, abusos domésticos ou outro motivo qualquer. Seria uma forma de punição? Não sei! O coração é terra que ninguém passeia, portanto, todos nós sabemos dos nossos limites ao extravasar nossos sentimentos. Ontem mais uma vez eu o encontrei. Ele estava à sombra, sob uma árvore frondosa, por onde corria um vento agradável, não muito forte.
Eu dei um nome para ele. Seu nome é “Ninguém”. Ele é mais um pária da sociedade. Os párias não têm nomes. Vendo aquele individuo dormindo à sono solto, próximo a uma rua movimentada por carros e pessoas eu me perguntei. O que somos nós, apesar dos descasos por parte dos governantes. Os moradores de rua, grupos heterogêneos, se relacionam pela liberdade proporcionada entre si, nas ruas. Os “Ninguéns” têm direitos e deveres, mas são marginalizados em seus direitos já que os seus deveres são esquecidos também. Esses desassistidos vivem pelas ruas sem os olhos da autoridade que se faz de cega. Outro dia eu vi uma aglomeração na calçada da rua. Era um dia muito frio. Eu fui lá e vi um corpo rodeado de velas acesas e deparei com o “Ninguém”. O corpo jazia no chão úmido da madrugada. “Ninguém” morreu sem ajuda médica. Ninguém pensou naquele momento que poderia ter ofertado alguma ajuda. Ninguém se importava com o “Ninguém”. “Ninguém” é de ninguém.