Timidez assumida
Confesso, encabulada, que sou tímida. E pertenço ao pior tipo: daquelas que disfarçam a timidez e acham que estão arrasando, que ninguém percebeu nada.
- Mãe, parece que você nem gostou dos meus amigos – comentou minha filha adolescente, num tom magoado, louca para eu contestá-la. Você mal trocou duas palavras com eles...
E eu cá achando que havia sido super simpática com a moçada que passou a tarde de ontem na minha casa, num prenúncio do que nos espera nas férias. Adorei seus amigos, minha flor : perguntei a todos para que iam prestar vestibular no próximo ano, onde iam passar as férias, comprei sorvete e pão-de-queijo - mas sou assim mesmo. Desconhecidos me travam, fico com cara de paisagem, sorriso nos lábios, sem saber como dar continuidade à prosa.
Na infância era muito pior. Minha avó dizia que timidez era sinal de insegurança e que a insegurança seria a minha salvação, responsável pela minha humildade. Realmente, arrogante eu nunca fui. Mas, por não me expôr facilmente, recebi rótulos, alguns dos quais me acompanham até hoje : que eu sou muito observadora; que as pessoas inteligentes escutam muito e falam pouco; que meu pensamento vive no mundo da lua... Não é nada disso : o tímido tem uma falsa dimensão de si mesmo e acha que o mundo o observa todo o tempo. Por isso não pode errar. Quer destino mais inexorável do que não se permitir o erro? Já elenquei, antecipadamente, assuntos para conversar em encontros de trabalho ou lazer... Se eu não fizer isso, corro o risco de ficar só concordando, com a cabeça fervilhando de coisas relevantes a serem ditas...
Mas algo que tenho observado nos últimos anos – justamente à medida que a característica foi abrandando – é que timidez virou cult. E tem muita gente que se passa por tímida para ser diferente, para levar vantagem num mundo onde muito se diz e pouco se ouve.
Tímido autêntico é solidário – fica roxo de vergonha quando alguém à sua volta passa por situação constrangedora. Tímido legítimo não joga nem o pior inimigo em situação embaraçosa. Homens tímidos não se abrem de cara, intitulando-se introvertidos, contando detalhes pessoais num primeiro encontro.
Não que eu queira fazer um manifesto em defesa da silenciosa classe, mas se você se deparar com um tímido pela frente, invista, que o esforço costuma valer a pena. A verdadeira timidez tem lá seus charmes. Quebrado o gelo do primeiro impacto, por trás do sorriso meigo, há uma pessoa encantadora, leal, plena de conteúdo, ávida por se integrar, dialogar, ouvir, emitir opinião...
Pelo menos, foi isso que sempre me disseram meus amigos...
Juro que sem arrogância, vó Cila!