Sinto falta
Sinto falta. Não sei se foi demitida, ou se está em férias. Muito difícil saber. Não tive, ainda, a coragem de perguntar. O mercado de trabalho é muito volúvel (e injusto, às vezes, principalmente com os idosos).
Tinha mais de sessenta anos. Ela me revelou certa vez, com discrição, sua idade. Eu estava bêbado, mas me alembro bem. Muito atenciosa, sempre observante; prestativa, nem se fala.
Sinto muito sua falta. Assim são as pessoas e as coisas: a gente se acostumou, acabou-se. Ficamos, pois, reféns. Pois agora eu admito: estou dependente da atenção dela. Mórbido, talvez; perdoável, talvez; compreensível, certamente.
Quem nunca?
Você está em seu dia a dia, domingo a domingo, e pá: percebe a falta de alguém. E aí? Seu dia será o mesmo?
Pergunta difícil, essa. Eu prefiro a dúvida. É mais conveniente e politicamente correto. Agora, e ontem também, não nego que sinto falta.
Sinto falta de um monte de coisa. A infância perdida, aquele sorriso oculto em uma sujeita não reconhecida, três peças de dominó oscilantes, ser um cidadão exemplar... E, principalmente, a presença observante dela, que não sei se esta em férias, ou, tal qual a maioria dos brasileiros, demitida.