Na janela do 806
O 806 têm sido minha janela há 13 dias e seguirá sendo por mais 6. A verdade é que tenho morrido de saudades da minha família e isso se contrapõe ao fato de estar aproveitando ao máximo esse tempo para além dos estudos, mas para me conhecer melhor e refletir mais acerca da vida. Além de, é claro, longe da rotina, encontrar um tempo para por exemplo, escrever em um diário, escrever aqui no recanto.
Confesso que hoje pude observar melhor pela janela. Me dediquei a isso por uns 20 minutos enquanto comia um sanduíche. Abaixo da minha janela, uma cidade agitada mesmo embaixo da neblina fria que caía nesse sábado aqui na zona da mata mineira. Pelas calçadas, muito lotadas, todos os tipos de pessoas passavam. A grande maioria com a correria que se espera de um centro urbano. Jovens imersos em seus fones de ouvido e celulares, idosos tentando ser o mais rápido possível ao atravessar as faixas de pedestres, mulheres com sacolas puxando crianças... cada um com um destino específico, utilizando o centro apenas para passagem.
Uma cena específica me chamou a atenção. Há uma lixeira gigante na esquina onde há uma pastelaria, ao lado dessa pastelaria, um prédio enorme com seus mais de 20 andares e eu, no meu oitavo, em frente a isso tudo. Acontece que nessa lixeira parou um senhor catador de papéis. Pelo visto ele só catava mesmo os papéis. Ficou ali por uns 5 minutos, catou o que lhe parecia interessante e cedeu o espaço a outro catador, esse de plástico. Tendo o catador de papel ido embora, se despediram e o rapaz, bem jovem mesmo, catava rapidamente mas analisando cada plástico, antes de colocar tudo em um saco cinza. Esse demorou mais por ali.
Me peguei pensando o que difere esse jovem de tantos outros universitários que passavam por ele com seus grupos de amigos e compromissos jovens. Ou o que o difere de outros jovens mais solitários que passavam com seus iphones e fones.
Dinheiro? Cultura? Família? A cidade é universitária. Há uma potente universidade pública, PÚBLICA. E hoje é dia de formatura. Avisaram aqui no hotel que ficariam lotados porque muitas famílias de fora estariam vindo prestigiar seus filhos. Muitos novos médicos, engenheiros, professores, jornalistas, dentistas, designers...todos seguiram o protocolo de uma vida que escolheram ou foram influenciados de alguma forma a escolher. Fato é que agora estão formados e poderão, a partir de hoje, seguir novos e promissores rumos. Hoje pude acompanhar a conversa de um jovem com seu pai no elevador do hotel. Esse, formando hoje engenheiro, já estava contratado por uma mega empresa e exalando felicidade por onde passava. Seu pai, orgulhoso, sorrindo de canto a canto.
O que isso tem a ver lá com o catador? Possivelmente nada, fosse o fato de que aquele rapaz sujo, negro e pobre escolhesse viver assim, catando coisas no lixo. Uma escolha? Ou o único caminho capaz de levar o sustento pra sua casa? Que o Brasil é cheio de desigualdades a gente sabe. Eu sei. Já sofri e sofro com muitas ainda. O que esse texto vai mudar na vida daquele jovem? NADA. Provavelmente ele nunca irá lê-lo ou lendo, não se reconheceria muito provavelmente, isso porque a cidade está lotada, LOTADA, de catadores e mendigos. E essa é a realidade das grandes cidades no Brasil.
Alguém me presenteou um dia com um livro da Martha Medeiros intitulado: um lugar na janela 2. A versão 1 eu já tinha lido. Em ambos, a autora conta inúmeras viagens que realizou e nos faz pertencer àquele local onde ela visita. Reli esse livro em uma viagem de 12 h de ônibus para chegar até aqui. Mas na contracapa, havia uma mensagem do amigo que me presenteara: Que seu lugar na janela da vida seja sempre bom para que veja as melhores paisagens e acrescentou para que eu nunca me esquecesse de quem sou e da minha importância.
Caro amigo, necessito dizer que meu lugar na janela da vida têm sido incrível, mas que as paisagens as vezes vistas, me fazem ainda questionar e sofrer com algumas desigualdades. Torço para que chegue um dia em que, olhando pela janela, eu me perca nos detalhes de pessoas comuns, com suas vidas extraordinárias. Que um dia eu não consiga ver, por janela nenhuma, alguém procurando comida ou sustento no lixo de outras pessoas.