SHIGURA
Era o ano de 1983, hoje quase esquecido, mas ainda com os lapsos das aulas que ministrava no extinto Colégio Nova Cidade; as vozes e textos, ainda gestacionais, sobre as "Diretas Já"; os olhares perdidos de Masé, a segundinha, com as mãos sobrando ante a mim, por não saber aonde pô-las. Mas, o mais importante deles foi conhecer a personagem desta crônica. Um dia, comentei com Masé que estava a procura de um pintor de parede naquela região ali de Antonina e Nova Cidade. Dias após, ao reencontrá-la, foi ela incisiva na indicação de Shigura, não dando os demais detalhes sobre a pessoa. Fui ao encontro dele curioso, pois podia ser um oriental , um afrodescendente. Nenhuma dessas coisas. Era um jovem brasileiro típico, surrado pelas vicissitudes. Tratamos o serviço, preço e outros detalhes. Na despedida, a curiosidade venceu-me. Por que Shigura? A resposta veio pausada: -Eu era largado, bebia cheirava e dormia nas calçadas. Um dia convidaram-me para um culto jovem numa Igreja Evangélica alí na frente. Quando entrei parecia anjos celestes cantando "Segura na mão de Deus". O poder desse canto entrou na minha alma de maneira tal que jamais voltei aos vícios. Passei a trabalhar, estudar e tornei-me um cristão. Meu nome é Marco Antônio. Insisti, e o Shigura? - Quando eu era largado, houve uma briga e um soco quebrou os dois dentes da frente, então, lá na igreja, quando eu cantava Segura saia Shigura... Meus irmãos, embora quase santos, não me perdoaram... Mas, hoje, só ficou o apelido, porque os dentes Deus me devolveu, olha só...
Não voltei a vê-lo após a conclusão da pintura contratada entretanto, minha fé diz que permanece "Shiguro" nas mãos de Deus.