Cartas de Salamanca - Ao frei Júlio César
Ao frei Júlio César
“Mossoró — Certamente sua história não começa em 1772 com a capela em Santa Luzia, mas em 1701 com a residência dos frades Carmelitas na serra do Carmo”
(Câmara Cascudo)
Frei Júlio; sei que o momento é de festa, posto que sua ordenação sacerdotal acontecerá agora, em dezembro. E você, apesar de ter vivido esses últimos anos no Convento do Carmo, em Pernambuco, em louvável gesto, escolheu Mossoró, sua terra natal, para receber tão bonito sacramento.
Permita, pois, que eu faça alguns comentários arrimado na ligação histórica existente entre sua Ordem religiosa e nossa cidade. Tema que já abordei em diversas oportunidades, mas que, desta vez, o faço com um significado especial, considerando as lembranças que seu vestíbulo ministerial suscita.
A catedral de Santa Luzia, por exemplo, escolhida como templo para sua ordenação, quando da singeleza dos primeiros passos, mereceu toda atenção de seus confrades que saíam lá do Carmo, onde viviam, para nela celebrarem. À guisa de ilustração podemos citar que o primeiro casamento realizado na então capela, em 1778, foi presidido pelo frei Antônio da Conceição.
Ressalte-se que antes mesmo da existência da capela, os carmelitas já ministravam sacramentos nas ribeiras dos rios Upanema/Carmo, Apodi/Mossoró, conforme os registros históricos comprovam. Portanto, foram esses religiosos os primeiros missionários em nossa região. O grande Câmara Cascudo, em seu livro Notas e Documentos para a História de Mossoró, fala textualmente da “presença desta Ordem desde o primeiro ou segundo ano do século XVIII, com atividade religiosa regular”, acrescentando que existiam relações amistosas entre frades e indígenas.
Frei Vicente de Santa Eufrásia; frei Antônio da Conceição; frei José de Santo Elias (este é citado como padre provincial da Ordem, em fase posterior à passagem por Mossoró, pelo historiador F. A. Pereira da Costa, no livro A Ordem Carmelitana em Pernambuco); frei Francisco de Santa Tereza (segundo o também historiador Francisco Fausto, o irmão desse religioso, português Antônio Soares do Couto, passou a residir em Mossoró, constituindo numerosa família), são nomes que constam nos registros. Por sinal, dos nomes referidos, frei Antônio da Conceição é o único que, até agora, mereceu reconhecimento público, pois denomina a travessa localizada do lado esquerdo da Catedral.
Motivados por sua ordenação, e guiados pelos desígnios de Deus, os frades que atualmente habitam o convento pernambucano sairão em bonita caravana de Recife a Mossoró, repetindo simbolicamente o percurso que há cerca de trezentos anos faziam corajosamente seus irmãos, quando singravam áridos caminhos, impulsionados pelo espírito de evangelização.
Além de participarem de sua festa, eles certamente irão visitar a capela de Nossa Senhora do Carmo, que fica localizada precisamente no hoje assentamento Carmo, e, talvez, mesmo caminhando alguns metros em meio ao mato, desejem fazer uma espécie de oração memorial junto aos escombros da antiga morada dos confrades, louvando e bendizendo a fé que os alimentavam em tempos remotos e difíceis.
Estimado frei Júlio, creio que você é sabedor da existência de um projeto que visa uma prospecção arqueológica dos referidos escombros e que, há muito, tentamos viabilizar. Pois, amigo, em meio às suas primeiras orações presbiterais, acrescente mais uma intenção, ou seja, a de que nossas autoridades despertem para a importância do citado projeto, cujo objetivo principal é tão-somente o sério e honesto resgate de significativa parcela de nossa história. E, como argumento adicional, sempre realçamos que a movimentação ensejada pelo projeto servirá de instrumento de geração de emprego e renda para as pessoas que vivem naquelas pobres comunidades rurais.
Rezemos, portanto, pelo êxito de sua caminhada, que agora começa, e para que suas preces sejam atendidas.