As Estações Do Tempo

As Estações Do Tempo

Era uma tarde de outono e, eu andava distraidamente pelas ruas da minha cidade; sentia-me estranhamente só... Uma vaga melancolia envolvia o meu ser e, eu não conseguia reprimir as lágrimas que turvavam a minha visão e desciam pelo meu rosto.

Não queria pensar em nada que me fizesse sofrer; precisava caminhar, sentir a natureza, deixar o tempo passar e, esquecer...precisava viver.

Sentia falta da primavera!

Preciso descobrir porque a primavera me faz tão feliz.

Algumas vezes penso que seja a presença das flores ou o canto dos pássaros; outras vezes imagino que seja a magia do sol sempre prateado ou a brisa brejeira que acompanha o balançar das folhas das árvores. É bem provável que as tardes altaneiras, as manhãs de luz que despertam os sonhos e animam as promessas conservando a esperança da felicidade, se reflitam nesse conjunto de eventos fantásticos que caracterizam essa mágica estação, assemelhando-se à juventude da vida ou aos momentos em que o amor domina o nosso coração.

Amo a primavera, mas, valorizo imensamente o inverno que, apesar da sua forma sombria, da umidade que concentra, e do frio desafiador que ostenta, das noites muito longas e escuras, das chuvas tão freqüentes e muitas vezes motivo de catástrofes; apesar do aspecto taciturno e umbralino, o inverno nos oferece momentos inéditos de reflexão e de encontro com a razão.

Com o inverno, é possível haver o despertamento de novas reações, o equilíbrio de energias, o condicionamento da natureza para novas florações, propiciando a fecundação que oferece o gérmen da vida que se desenvolve num clima de exuberância e de rara beleza da próxima estação.

E, quando chega o verão quase sempre ostentando um sol inclemente e um calor abrasador, concluindo ou iniciando o ciclo das transformações, permitindo o encadeamento dos elementos que dinamizam a vida através das incessantes inter-relações, o processo existencial chega ao clímax do seu grande enigma, estimulando a mente , disseminado a curiosidade que conduzirá às descobertas a caminho da sabedoria e da libertação.

Ergue-se o portal das mudanças, as mutações acontecem, os desafios continuam, numa onda crescente e, tumultuada pelas individualidades e pelas enormes divergências, numa gama de vibrações desconhecidas.

Neste panorama real que se repete de forma cíclica e natural, a minha compreensão se perde; então percebo cada estação e as transporto para a vida, a minha vida.

Por isso faço o retrato dum outono não muito remoto, numa dimensão diferente, com folhas secas, caídas, torcidas e esmagadas, a ornamentar um solo de estrutura modificada, sombreado por árvores gigantescas, num ambiente onde o vento sopra e levanta as folhas a rodopiar, misturando tudo.

As estações se alternam sem tempo preciso alterando os cenários e os eventos...

Estou vivendo um momento de outono, num local distante e deserto; aqui é o meu refúgio, o meu recanto preferido; venho a este local todas as vezes que preciso de paz, de acolhimento e conforto espiritual. E, nessa doce solidão afugento as sombras que me fazem sofrer.

Nessa tarde de outono, nesse ambiente distante do barulho do mundo moderno, contemplo as velhas árvores, marcadas e gravemente feridas; toco levemente alguns galhos frágeis e torcidos, alquebrados, quase mortos e ainda firmes, auxiliando essa velha amiga a continuar a sua missão de vida, não obstante as folhas caducas e as experiências difíceis vividas na luta pela sobrevivência. Velhas árvores, cresceram em função da luz, viveram em busca da luz, amenizaram o calor do tempo, canalizaram o vento, permitiram as sombras e o abrigo, ajudaram tantas vidas... e hoje, envelhecidas e abandonadas, morrem para que outros vivam.

É outono outra vez! Nem havia observado que existem arco-íris no outono também!

Absorta na internalização da dor que dilacera o meu coração, esquecera-me de descer ao vale dos sonhos e acreditar que as folhas secas do outono, caídas e sem vida aparente, podem renascer, porque o sol ainda brilha.

Vejo que o sol nem sempre está muito vermelho e que apesar de tão grande não vai engolir a Terra.

Fecho os olhos do corpo físico e pelo portal da alma transporto-me para um local onde refrigero a minha alma – contemplo o mar aberto, e vejo um sol lindo, menos denso, refletindo os seus raios na água calma... sinto-me plena, unifico-me à natureza, respiro fundo, deixo o ar alimentar o meu corpo, liberto a minha alma. Abro agora os olhos do corpo físico, olho para o céu e deixo-me levar pelo movimento das nuvens...uma alegria infinita me envolve... agradeço pela vida.

Continuo sentindo saudades da primavera... amo o perfume das flores, sonho com o chilrear mavioso dos pássaros, tenho saudades das corridas atrás das borboletas por entre as flores do campo, e das batalhas de água no rio da fazenda... Ah! não posso esquecer o meu roseiral ao lado da casa grande! Enfim... desperto pra vida de agora, com todos os seus erros e acertos, apertos e desapertos, ganhos e perdas, mortes e renascimentos, chegadas e despedidas, encantos e desencantos, sonhos e realidades, ilusões e desilusões, sorrisos e lágrimas, alegrias e tristezas, experimentadas na passagem cíclica do tempo da minha vida.

Em alguma estação certamente completarei o ciclo da minha existência presente; caminhando firme tal as velhas árvores, superando os entraves de cada etapa que chega, tirando de todas as fases a lição necessária para mirar cada nova sucessão com a certeza de que um dia, a primavera vai chegar.

Claudenice Rosário

Alagoinhas/ Bahia/ Brasil

05/11/2007

Claudenice Rosario
Enviado por Claudenice Rosario em 08/12/2007
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