Um estupro psicológico
No ponto de ônibus ela espera o ônibus. Não podia perder aquele, era o último da noite. Olhava de tempo em tempo no seu relógio, puxa! Que demora!!!!!!
Veio no pensamento e se ele souber porque estou chegando tarde. Mas ponderou: Como é tolo esses e todos os homens e mulheres que tomam a ausência do ente amado pelo ciúme! Será que alguém precisa realmente estar só para trair? Mas como é idiota o meu chefe da repartição fica pensando que vou da mole pra ele. Não deu outra perdeu o ônibus outra vez, agora só tem o corujão pra chegar na sua casa. Ela fica nervosa. Acende um cigarro e anda dum lado pro outro. Rói as unhas negras esmaltadas. Já é madrugada “Essa droga de ônibus que não passa! Meu marido vai me matar!”.
Porém passa um carro bem devagarinho, mas não dá para vê o vidro é muito escuro.
A rua está deserta, quer dizer, quase deserta, pois há um casal de morcegos de ponta cabeça no alto de um prédio. Ela está tão perturbada, que não consegue ouvir o crepitar de uma folha seca, os passos de alguém que se aproxima… Zás! Um homem com máscara de palhaço agarra ela pelas costas e, tapando a boca dela, arrasta-a para um terreno baldio, próximo à parada. Lá no coração do lote, na mata selvagem do medo e da escuridão, é que o homem tira a máscara. Ele sorri e pede silêncio. É um rapaz imberbe. Têm olhos azuis e é branco como leite. Ele tira uma tira de pano vermelho e amordaça ela. Ele é muito bom em seu “ofício”, faz tudo muito rápido, com desenvoltura e, pasmem, com uma certa “elegância”. Sim, porque ele é como um candidato a um emprego qualquer, um candidato que quer deixar a melhor impressão em seu empregador. Primeiro ele começa a lamber o ouvido esquerdo de dela. Alterna rápidas lambidelas com seu hálito de vapor quente. Suas mãos têm a leveza e a agilidade de um artesão experiente. Ele sabe como enlouquecer uma mulher. Ela chora, mas não o odeia, pelo contrário, seu corpo quer isso. Sua razão diz que não e, no entanto, esse corpo diz sim. Esse corpo tem uma sede que não é de água. É uma revolta cheia de delicadeza, uma libertação até. Ela para de chorar. Decidiu se entregar. Já não arranha as costas do homem, acaricia-as. Beija seu ombro nu e (ah!), alcançaram a graça…
Antes de ir, o homem abotoou um broche formato borboleta na blusa dela. Era uma borboleta azul, azul quase violeta, cheia de um pó áureo. Beijou-lhe a testa e foi embora sem dizer adeus. Ela, mergulhada em êxtase, levantou e dirigiu-se novamente à parada. Está atônita, está louca. De repente, súbita como qualquer chuva num dia de sol, dezenas de borboletas começam a sobrevoar o local. Elas pousam no cabelo de dela e liberam partículas douradas. São borboletas azuis, brancas, amarelas, vermelhas, que coisa linda! Elas obedecem um ritmo, um movimento, elas dançam! Os olhos da pequena brilham, ela saliva. Tem até vontade de bailar vendo seus movimentos.
E não é que o ônibus do corujão apareceu? Ela pegou o ônibus e pensava muito. Ela não sentia nojo. Ela sentia nojo de não sentir nojo! Como pode uma senhorita casada, respeitada, de reputação incólume, ser violentada e, ainda assim, se sentir amada? “Pensava em seu anjo branco”.
Ao chegar em casa, o marido não diz nada. Ele é até compreensivo quando ela lhe conta que ficou trabalhando até tarde e pegou uma carona com uma colega do serviço. Ele não quer ouvir mais nada, ele apenas quer o corpo branco e honesto dela. Imediatamente, ele a joga na cama e rasga-lhe a blusa. Sua saliva escorre pelo pescoço de e ela tem repulsa. Não quer aquilo. Seu marido é sujo e a faz sentir suja, porque ele tem um hálito horrível de cachaça e não toma banho. Se vocês pensam que ela não quer o marido porque foi estuprada esta noite, estão enganados. O ato sexual em si não é violento. A violência sexual é psicológica. O estupro está na mente, no coração, no ser que não pode corresponder ao desejo do outro. É o que acontece a esta mulher. Ela não ama o marido, ela tem desprezo por ele. Casou-se para ter a estabilidade de uma vida confortável mantida por um senhor já muito idoso, mas isso não basta. Seu corpo amou um homem desconhecido esta noite. Seu corpo é violentado pelo marido todos os dias e todas as noites. Borboletas também morrem.