Almas meia gêmeas - CTF 2
E outra terça-feira chegou e devo dizer que o mês está passando rápido.
Ultimamente tenho pensado sobre o amor. Acho que tem a ver com o papo que tive com uma amiga, em que ela me disse que às vezes batia um medo de ficar sozinha. E eu confessei que não tenho esse medo. E fui sincera. Realmente não tenho. Se eu me tornar uma solteirona, eu ainda terei meus amigos, que é também é um tipo de amor.
Não, não pense, caro leitor, que eu sou fria e não acredito no amor. Eu até acredito. Mas não sei, talvez eu só ache que o amor seja exceção, não a regra.
Se eu acredito em amor verdadeiro, almas gêmeas e tudo isso? Bem, não é que eu não acredite em almas gêmeas. Eu acho possível que existam duas pessoas que estão destinadas a viver uma história de amor épica, com alto grau de compatibilidade, afinidade absoluta e temperados e gostos praticamente iguais, sem contar a química que faria corar os desavisados, mas, veja bem, é tão raro quanto uma fênix. Se esses dois seres, nossa, será o relacionamento dos sonhos. Mas aí está o x da questão: o encontro desses amantes. Não é louco imaginar que o destino, o universo, ou sei lá o quê, se preocupar em fazer essas duas pessoas se acharem? Não seria muita sorte sua alma gêmea, tão intangível e rara, frequentar o mesmo bar, ter os mesmos amigos em comum, usar a mesma linha de transporte público que você, leitor? Somos 8 bilhões de pessoas no mundo, caramba. Me diga como se manter otimista quando a sua alma gêmea pode muito bem estar morando do outro lado do mundo? Pense, caro leitor. Eu penso nisso também. Não seria demais que ela estaria justamente na mesma livraria que você e de repente fixa aqueles olhos e, boom, os dois sentem aquele amor arrebatador. Me desculpe, mas é mais fácil que a pessoa que lhe encare seja uma alma oposta pronta para ser desbravada. Nada contra. Um amor unilateral costuma render porres grandiosos e piadas divertidas.
Por isso, caro leitor, almas gêmeas, se é que existem, estão a quilômetros de distância, com pouquíssimas chances de se cruzarem e fundarem a relação perfeita. Eu costumo acreditar na sorte, mas com cautela. Talvez seja minha dose de ceticismo que não é inerente ao amor, mas a tudo na minha vida. A verdade é que o amor me assusta um pouco. Não sei lidar com tudo isso. Acho que minhas expectativas e temores são altos. Uma tia minha me disse que eu estava sozinha porque observo demais o relacionamento dos outros e isso me fez descrente, porque toda relação é imperfeita. Mas não é que eu busque perfeição, porque eu sei que não existe. É que eu olho algumas relações e, desculpa, mas não quero algo assim para mim. Eu quero me sentir amada e amar, mas sem me perder. Sem ter que me anular, ou relevar qualquer coisa, ou aceitar ser tratada de qualquer forma. Se isso é ser exigente, então o amor é uma fraude. O amor deveria nos fazer sentir plenos.
Contudo, voltando ao assunto, não espere almas 100% gêmeas. Por vezes, vale contentar-se com algumas similaridades para dar conta do recado. Os temperamentos são levemente conflitantes, mas ajudam a equilibrar a relação, é algo a ser considerado. As diferenças os desafiam a explorar o universo do outro: ótimo. Têm o mesmo gosto literário: maravilha, a conversa está garantida. Não importa se um gosta de vinho e o outro de cerveja ou é abstêmio, se é crente ou ateu, se vocês leem os mesmos autores, têm sincronia na boa literatura, não exija muito, case-se agora. Se ouvem a mesma playlist no spotify, isso já facilita a disputa pela rádio numa viagem de carro. Se se emocionam com Milton Nascimento ou arrepiam os pelinhos do braço ouvindo Os Beatles ou gostam de dançar na sala de estar ao som de Dua Lipa, agarre essa chance. Ou pode ser ainda que sejam cinéfilos e veneram os mesmo diretores e assistem os mesmos tipos de filmes. Se vão ao cinema e as mãos não se desgrudam, ali encontrou algo duradouro. Mesmo que venham a divergir sobre como educar os filhos (um liberal, outro repressor) ou a escolha do cardápio (um vegano, outro cata tempero da comida), mas manda mensagens fofinhas o dia todo e pensam um no outro, isso é mais importante do que as promessas matrimoniais expressas no altar.
Então, sim, eu sou romântica. Todavia, realista o suficiente para acreditar que pequenos pedaços de afinidade e disposição bastam para começar uma história de amor. Devíamos pensar em almas meia gêmeas. O que acha, caro leitor?