O Último dos Segundo-Transição
Quando fui aposentado, precisei criar uma nova realidade laboral. Precisava de atividade, que me exigisse muito tempo para realiza-la. O que me faria sentir, como se continuasse trabalhando.
Por ser totalmente desafinado, não saber tocar nenhum instrumento e não conhecer nada sobre música, fazer composições musicais seria a escolha ideal para àquela necessidade. Ampliei a dificuldade da escolha, estipulando o objeto do trabalho e meta anual: doze músicas/ano sobre um tema escolhido. Não seria necessário confessar que, somente depois de quatro anos de intenso e persistente trabalho, a meta estipulada passou a ser alcançada.
Um dos primeiros temas escolhidos, foi titulado “Celebrações” e tratou de datas celebradas nacional, ou internacionalmente, escolhidas uma para cada mês. A primeira escolha, relacionada ao mês de janeiro, foi Ano Novo. A dificuldade se tornou maior pois, sem o talento necessário aos poetas, o, da inspiração, para fazer as letras, necessitava escrever sobre o tema e, depois, transformar esse conhecimento em versos. Então, a maioria das composições teve suas letras antecedidas de artigo, ou crônica.
A crônica sobre Ano Novo, foi titulada de “Segundo Transição”, referindo-se àquele lapso de tempo, no qual finda um ano e se inicia o outro. Entretanto, no mensurar de tempos presentes no experimentar a vida, são muitos os “segundo transição”: de um dia para outro; da madrugada para o dia; da tarde para noite, da vigília para o sono...
Acabei de presenciar roda de papo entre meia dúzia de homens, que já apagaram oitenta velinhas, sobre o último dos “segundo transição”, nessa vida física. A roda destinava-se a cada um expressar, como andava rogando pela forma dessa passagem, a forma de vivenciar esse último segundo transição. Das seis declarações, duas me impuseram o dever desse registro.
Acho que já estava treinado para apagar noventa velinhas, usava óculos e tinha um aparelho auditivo: em minhas orações rogo para morrer em forma, com todos meus sentidos funcionando, ainda que alguns “meia boca”; andando e com muito entusiasmo para viver. Morte súbita, sem internações, sem meios artificiais para prorrogar um falso e indesejável viver.
O outro aparentava um pouquinho menos idade: a forma como desejo morrer, não faz parte de minhas orações, porque é fantasiosa, não pode acontecer. É como se o processo existente carecesse de aperfeiçoamento. Subitamente, todos os átomos que nos foram emprestados para a concepção, gestação e nascimento, numa desintegração instantânea de todo nosso corpo físico, seriam devolvidos à natureza, numa poeira de luminosas partículas, ligeira, apressada e em direção à morada das estrelas. Da luz viemos e para a luz voltaríamos Sem acometimentos de doenças lentas a nos irem torturando até a denominada fase terminal, sem hospitalizações, sem “uti’s” e, principalmente, sem funerais.