DEPOIS DE VELHO

 

Depois de velho, as coisas realmente mudam. A vida parece ter mais pressa que o normal, e a gente menos disposição para acompanhar as coisas rápidas que surgem... As pernas, os ossos, a alma, o humor. Depois de velho, a gente vê que a terceira idade é uma idade de segunda.

 

Comigo foi assim, depois de velho. Primeiro o humor. O ódio e ranço repentino pelas pessoas muito alegres. Pelos adolescentes arruaceiros, por mais que eles me lembrem de mim mesmo nesta fase irritante. Depois de velho, a paciência se foi. E com ela, a vontade de ver gente, de estar com gente, e socializar para agradar terceiros. Por isso, depois de velho, eu entendo que muitas pessoas se isolem. A tal da solitude. A tal palavra que venho para viralizar, assim como a própria palavra viralizar, que nem o Word do meu Notebook Positivo reconhece como uma palavra comum.

 

Depois de velho, surgem medos novos. Medo da morte, do câncer, do esquecimento. Medo de ver filmes de terror, e depois de ver ao vivo o terror dos filmes. Medo da calvície já não mais precoce. Medo dos nódulos, das dormências, das pontadas nas laterais do rosto, das pontadas na nuca... Medo de que o médico que disse que tá tudo bem, na verdade, tá mentindo, pois na verdade, é mal que tá.

 

Depois de velho, o paladar tá insosso, e a gente num quer gastar com comida. Depois de velho, a glicose vira algo notório, assim como a B12, a D, e aquele papo dos dois litros de água por dia. O medo de hospital. Aquele lugar que antes, você ia com vontade, certo de que estaria melhor se estivesse ali, ainda que fosse apenas uma gastroenterite leve. A gente agora foge de hospital, pois o medo de não conseguir fugir depois que entra, é maior. Depois de velho, a septicemia é nosso Freddy Krueguer, e as bactérias se tornam nossas maiores inimigas. As verdadeiras bruxas.

 

É complicado se viver assim depois que se envelhece. A ansiedade não envelhece, ela parece se fortalecer conforme o tempo passa, agregando novos medos, novos conhecimentos, novas maneiras da gente temer nossa própria sombra. Pior ainda, é se dar conta de que não estamos velhos realmente.

 

Pior ainda, é se sentir velho, se entregar ao auto-exílio. Se perder em si. Sentir que antes do 40, você já se sente com 60. E imaginar que existem muitos sessentões, que depois de velhos, nem se acham tão velhos assim

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 16/01/2023
Código do texto: T7696004
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.