A força de Menininho
Era dia, mas o sol já se pusera. Voltava da padaria, uma cena flagrante me tocou: sobre uma calçada primeiro andar, uma criança em posição fetal chorava desesperadamente, ao tempo em que duas mulheres, altas e gordas, tentavam arrastá-la para dentro de casa.
Impressionante o vigor da criança. Mesmo em desvantagem física e numérica, mantinha-se firme em seu propósito. Espécie de Davi contra Golias, versão 2023. As senhoras, diante da resistência da criança em render-se, mudaram de tática. Deixaram de lado o confronto físico, e passaram à classe do diálogo. Primeiramente, tomou posição no confronto a mais alta e robusta:
— Vamos, Menininho. Vamos, Menininho. Não vai demorar não.
Menininho desconsiderou o convite, aumentou o choro e os esbarrões. A essa altura, vendo o insucesso da antecessora, a segunda mulher decidiu intervir:
— Vamos, Menininho. Vamos. Mamãe promete...
E fez‐se silêncio mútuo de três segundos, que, em cronometria não usual, equivale a três quarto de ano. Aí Menininho, mediante aquela frase poderosa,decidiu colaborar. Acalmou-se, levantou-se devagarinho, endireitou a coluna, e ouviu, ao pé do ouvido esquerdo, a um palmo do coração, ouviu a promessa materna, confidencialíssima. Em seguida, segurou a mão da mãe e entraram juntos na residência, ocultando-se
definitivamente de olhares e curiosos.
Assisti à cena e me veio a quase certeza de que, tal qual dizem os especialistas, o uso da força deve ser usado com moderação, e ainda assim nem sempre garante resultado proveitoso.
Se Davi, ao vencer um Golias, tornou-se célebre, imagine Menininho, que, completamente desarmado, suplantou dois, apenas com a força das expressões.