Um dia, eu e o flamboyant
Um dia, eu conheci um flamboyant plantado em uma esquina, um flamboyant pequeno, porém era grande para o meu tamanho, tendo em vista que eu era uma criança. O tempo passava e eu não me importava, ele estava lá, imponente para o meu olhar de criança, florido, mesmo que estivesse plantado em uma calçada apertada, entre a rua, uma casa e os fios de alta tensão e nele tivesse uma plaquinha escrita "Não me mate".
Um dia, eu deixei de me atentar ao flamboyant, talvez eu tenha crescido demais, vivido coisas demais e deixei de perceber o belo. Quando voltei a perceber e novamente me surpreender pela sua beleza, me obrigaram a não mais mudar de direção, fizeram do meu lazer infantil uma obrigação, a de registrar o farfalhar de suas folhas e flores pelo vento.
Um dia, eu não olhei para o flamboyant e por não ter olhado, eu era o culpado por não ter registrado a beleza dele na estrada, o meu prazer se tornava uma grande obsessão de alguém que não era eu, de alguém que tomara para si a busca do belo pelos meus olhos, meu olhar foi duramente sequestrado, a brisa era agora um vendaval.
Um dia, perdi a inspiração, já não fazia mais sentido, tomaram de mim o que já não era meu, tomaram meu caminho, as cores que eu havia redescoberto tornaram-se em cinzas, cores antes épicas agora eram opacas. Me deram a ingrata missão, o meu encanto se tornava servidão. Por muito tempo o flamboyant foi apenas mais uma árvore na beira de várias calçadas, acostamentos e estradas. E quando me diziam: "Olha, o Flamboyant!", eu silenciava e observava o quanto eu já tinha deixado de ser criança, o quanto tinham tomado de mim a herança de um dia me surpreender com a beleza.
Um dia eu passei por aquela rua da infância e para minha surpresa, lá já não havia mais um flamboyant, nada naquela rua era mais igual, as cores, as casas, as pessoas, tudo havia mudado e se tornado apenas lembranças. Eu havia mudado, depois de muito tempo meu olhar foi devolvido, não sem antes pular do abismo em busca de salvação. Pude ver novamente o flamboyant e enxerguei novas nuances, novas cores, a beleza que antes estava encoberta, foi descoberta com novos tons. Tomei posse do meu novo olhar depois disso, um olhar poético surgiu, um olhar sonhador, um olhar que agora não tinha mais medo das próprias capacidades e descobertas. O flamboyant talvez fosse eu, um dia eu saí da esquina de mim mesmo, um dia eu tirei a plaquinha de vítima que havia em meu peito e descobri que era possível ser maior e mais colorido do que se poderia imaginar, não mais nas esquinas, agora no centro da própria existência.
Que nunca tirem de mim a beleza de me olhar de dentro, a beleza de me ver como verdadeiramente sou.
Pedro Garrido