A mãe da Clara

Ainda quando tinha uma loja de produtos naturais, ao abri-la de manhã, (sugestivamente chamada Sagrada Saúde) me punha aos afazeres para torná-la limpa e aconchegante, pois é como resultado disso que tenho meus ganhos para levar a vida.

Pois bem. Neste dia em questão em que me propus compartilhar, já havia limpado a parte interna da loja, e como sempre fazia, varro a frente e coloco minhas amigas plantinhas, que aqui dividem o espaço comigo, para tomar um banho de sol.

Neste meio tempo, aparecem a mãe, ao lado dela sua filhinha, aparentando ter 3 a 4 anos, empurrando cuidadosamente um carrinho de bebê, e nele suas 3 “filhinhas” (dentro do carrinho uma boneca de pano, uma outra que me pareceu uma ursinha, e uma terceira personagem, (despercebida por mim naquele momento, mas pivô do motivo do texto) outra bonequinha, menorzinha, disposta em cima do toldo do carrinho).

Como dificilmente fico calado quando vejo uma criança (me identifico muito com elas - e quase sempre é recíproco), iniciei um pretenso diálogo.

Vinha as cinco em minha direção bem lentamente, quase contando os passos. Disse:

“Nossa! Seus dois filhinhos dentro de um carrinho tão pequeno, tão apertadinho, mas nem reclamam. Como são educados..." (Nisso já estavam a uns dois metros de mim)

A mãe retrucou:

“Dois não, três! “ (Me apontando a terceira, a do toldo, que me tinha passado despercebido)

Refiz a fala:

“É mesmo! Não tinha visto. Nossa! Não dá medo dela ficar aí em cima e cair? ” A garotinha que permanecia de cabeça baixa, sem me olhar, a pegou bem de mansinho, sem levantá-la, e bem devagarzinho a virou de bruços. (Opa! Pensei).

Não me dei por vencido e retruquei:

“Ah! Ela está com sono e aí em cima é mais gostoso para tirar uma sonequinha e nem quer ouvir...entendi.

Ela que está certa, uma sonequinha neste sol gostoso é muito bom! ” (Vi em esboço de sorriso no rosto dela e a desvirou...Ufa!)

Assim que passaram por mim continuei:

“A sua filha da sonequinha me disse o nome, mas falou tão baixinho que não ouvi direito, qual é mesmo? ” (Um último esforço de alguma resposta daquela mãezinha tão zelosa...E nada!)

A mãe olhou para mim quase que dizendo com os olhos: “Pode desistir que desta não sai nada”, continuando a caminhada. Brinquei:

“- Eu entendi” - disse à mãe/avó: “Ela me disse sem dizer “não me cativaste ainda...”.

E foram descendo a rua.

A narrativa é longa, mas de todo durou menos de dois minutos.

Fim da História? Nada!

Mais alguns minutos, voltam as cinco. Quando estavam a poucos metros de mim, ela (a mãe /filha) por uma fração de segundo, me dirigiu um olhar de canto de olho (quase imperceptível, mas não para mim, que a observava atentamente). Olhou para a mãe, puxou de leve a barra do vestido dela e disse quase num sussurro (quase não, num sussurro mesmo):

“Fala para ele que é Clara...”

Não esperei a mãe nem raciocinar e disse de imediato:

“Agora que estou lembrando, eu acho que ouvi o nome dela sim. É Clara, não é? ”

Aquele esboço de sorriso que tinha percebido no início de nossa interação, agora tornara-se um singelo sorriso, daqueles que nem se mostra os dentes, mas radiante, luminoso! Foram subindo a rua, e fiquei com aquele breve sorriso guardado na minha memória, que me acompanhou o resto do dia.

...saboreei o morango e quase esqueci do resto dos afazeres!

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O que o morango tem a ver com esta História?

Este episódio, enquanto escrevo, me fez recordar de um “causo” pelo palestrante Roberto Shinyashiki, que envolvem um personagem, um urso, barranco e onças.

Assim como o que me aconteceu hoje, venho percebendo que estou aprendendo a saborear os morangos cotidianos, que às vezes se apresentam

em nossas vidas e nem nos percebemos, e se percebemos nem nos damos ao trabalho de colhê-lo, quanto mais saboreá-lo. São muitos ursos, diversas onças, em contrapartida morangos brotam de todos os lados, jeitos, oportunidades...como uma boneca de pano relaxando preguiçosamente em cima de um carrinho, numa manhã de um sábado ensolarado!

Jaider Castro
Enviado por Jaider Castro em 14/01/2023
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